Domingo à tarde, parecia que as ruas paulistanas estavam livres. Pelo contrário, o primeiro dia da semana é o dia das compras, da procura de um “apê”, da visita à família e do passeio com o cãozinho.
Uma avenida movimentada, muitos carros, famílias, pessoas ouvindo todos os estilos musicais. De repente, uma longa fila de automóveis, que atingia uma grande extensão da avenida e um congestionamento em pleno domingo.
O desespero toma conta dos motoristas, os igrejeiros começam a “jogar” os veículos e dar “fechadas”. No cruzamento da Avenida Aricanduva com a Avenida dos Latinos, a irritação, a raiva. Ao acender a lâmpada verde do semáforo, cidadãos desesperados, como uma largada de carros de corrida para cruzar a principal e seguir em direção a outras alternativas.
Artistas crentes que tinham que “passar o som” às cinco, pastor que iria fazer a “concentração”, tocador de violão que saía desesperado pelas avenidas da paulicéia para chegar no horário combinado com seus “parceiros” de palco.
Após muita correria, o artista chega ansioso, desesperado, afina o instrumento, pluga e passa o som. Um jovem, que fazia parte do backing vocal, passava a voz, todo cheio de estrelismo e interrompia a passagem para chamar a atenção do sonoplasta. Já, o “rapaz do som”, todo servil, estava disposto a ajudá-lo.
A passagem de som, que começaria às 17h00, teve um atraso de quarenta minutos. A estrela, o artista, o super-vocalista que não perdoava nenhuma “sobra” de freqüência, estavam lá fazendo caras e bocas, numa “humildade” fora do comum.
Enfim, os talentosos músicos tocaram e o ansioso tocador de violão, após 2 anos longe do palco da grande tenda, estava de volta, todo cheio, detalhista e mandando uns acordes e toques bastante interessantes, que seguravam as bases das melodias com firmeza.
No final, uma garota, toda simpática, vai cumprimentá-lo e o convida para sair com a sua turma. O músico e a bela moça saem, chegam na frente e iniciam a conversa. Depois, a turma chega com novos assuntos..
Ela não tirava o olho e sempre prestava atenção aos movimentos do rapaz. Quando o tocador de violão iniciava alguma conversa, ela cortava e quando sugeria algum lugar diferente ela discordava. Ao falar de Jazz e de alguns bares de São Paulo que tocam esse belo movimento rítmico norte-americano, ela torceu o nariz e já mandou um sonoro:
“NÃO GOSTO! QUERO IR NO METRÓPOLIS, LÁ TOCA ROCK!”
O jovem músico, com toda a sua simplicidade e singeleza, ficou na dele, deixou a “estrela” falar e educadamente a acompanhou até o seu automóvel. Não esboçou nenhuma reação para dar um amasso ou um beijo na boca e seguiu o seu caminho. Algumas pessoas, para o jovem instrumentista, como essa garota, desagradam e não têm a conveniência em aprender a respeitar e ter a curiosidade em conhecer novos lugares, novas pessoas. Perdeu “pontos” com o rapaz, moral da história.
(*) Luís Delcides R Silva, estudante de jornalismo, micro-empresário e escreve para o blog Casos Urbanos.
domingo, 23 de agosto de 2009
domingo, 16 de agosto de 2009
Sentimento de urgência, por Risomar Fasanaro
Risomar Fasanaro (*)
Amanheci hoje com um sentimento de urgência. Que me perdoem meus ancestrais negros e indígenas que viveram em ritmo de águas mansas, ou mesmo meu bisavô, que quem sabe tenha sido pescador lá na Itália.
Hoje o que me move é a urgência. Urgência de escrever aquela carta ao amigo distante que sente ojeriza pela internet, pelo computador. Urgência de telefonar para quem não chega nem a sentir ojeriza, simplesmente sequer pensou em ter um computador. Nunca usou nem máquina de escrever, só escreve a mão. Existe gente assim ainda?
Existe. Existe até um dos maiores poetas do país que só escreve a lápis, e guarda todos os toquinhos dos lápis que usou para escrever aqueles poemas lindos que falam do que quase ninguém se dá conta: sapos, rãs, caracóis, aranhas, formigas...E faz dessas coisas mínimas imagens grandiosas, poesias belíssimas.
Um poeta que resgatou a força do grafite, do lápis, em plena era da informática. Há algo mais poético do que escrever um poema a lápis? Trata-se de alguém que traz no sobrenome a matéria-prima que Deus usou para criar o homem: Barros. Sim, falo do Manoel de Barros, que ficaria horrorizado com essa coisa que hoje me toma e que provavelmente jamais o domina: a pressa, a urgência. Que também o Poeta me perdoe!
Hoje, todo meu corpo, toda minha alma pede que eu me entregue à escrita daquele livro mal começado, em que invento a história do meu bisavô que veio da Itália buscar os filhos porque não agüentava de saudade, mas os filhos, uns ingratos, não quiseram voltar a Salerno e ele morreu no navio de volta, sozinho. Morreu de saudade.
Tenho urgência de inventar esta história, pois não o conheci, não conheci nenhum dos meus avós, nem maternos nem paternos, não sei sequer o nome daquele bisavô, mas entre todos foi ele que escolhi. É por ele que sinto um carinho tão grande como se o tivesse conhecido a vida inteira.
Não me perguntem como isso é possível, não sei explicar meus sentimentos. Talvez dizendo que é como se um dia quando eu ainda era um bebê, ele tivesse me embalado em seu colo. Acho que assim fica mais fácil vocês entenderem.
Quando tinha uns seis, sete anos, ouvi pela primeira vez a música “Torna Sorriento” e comecei a chorar. Minha mãe me perguntou por que eu estava chorando e respondi que estava com saudade. Saudade de quem? Não sei, respondi. E continuei a chorar.
Sempre que me lembro disso, penso na possibilidade de a gente trazer no DNA algumas lembranças que foram tão fortes em nossos ancestrais, que as carregamos através das gerações.
Pois de outra forma, de onde viria aquela dor?
Tenho pressa. Preciso escrever esta história. Preciso telefonar para alguns amigos. Terminar de bordar uma almofada de veludo que comecei pra presentear uma amiga. Meu Deus! Quanta coisa inacabada... Dar os retoques finais a uma caixinha de chá, ler o Antigo Testamento, reler os poemas de Fernando Pessoa. Escrever um comentário sobre alguns livros. Visitar uma pessoa que ficou cega e que é muito, muito importante em minha vida.
Será que todas as pessoas têm, de vez em quando, este sentimento de urgência? É como se eu estivesse com uma das mãos cheia de areia e que por ser uma areia muito fina e muito seca, começasse a escorrer por entre os dedos, antes que eu chegue aonde quero chegar. Sim, acho que agora atino para o sentimento que me tomou hoje. Um novo ano se inicia e a alma também tem uma ampulheta...
(*) Jornalista, professora de Literatura Brasileira e Portuguesa e escritora, autora de “Eu: primeira pessoa, singular”, obra vencedora do Prêmio Teresa Martin de Literatura em júri composto por Ignácio de Loyola Brandão, Deonísio da Silva e José Louzeiro. Militante contra a última ditadura militar no Brasil.
Amanheci hoje com um sentimento de urgência. Que me perdoem meus ancestrais negros e indígenas que viveram em ritmo de águas mansas, ou mesmo meu bisavô, que quem sabe tenha sido pescador lá na Itália.
Hoje o que me move é a urgência. Urgência de escrever aquela carta ao amigo distante que sente ojeriza pela internet, pelo computador. Urgência de telefonar para quem não chega nem a sentir ojeriza, simplesmente sequer pensou em ter um computador. Nunca usou nem máquina de escrever, só escreve a mão. Existe gente assim ainda?
Existe. Existe até um dos maiores poetas do país que só escreve a lápis, e guarda todos os toquinhos dos lápis que usou para escrever aqueles poemas lindos que falam do que quase ninguém se dá conta: sapos, rãs, caracóis, aranhas, formigas...E faz dessas coisas mínimas imagens grandiosas, poesias belíssimas.
Um poeta que resgatou a força do grafite, do lápis, em plena era da informática. Há algo mais poético do que escrever um poema a lápis? Trata-se de alguém que traz no sobrenome a matéria-prima que Deus usou para criar o homem: Barros. Sim, falo do Manoel de Barros, que ficaria horrorizado com essa coisa que hoje me toma e que provavelmente jamais o domina: a pressa, a urgência. Que também o Poeta me perdoe!
Hoje, todo meu corpo, toda minha alma pede que eu me entregue à escrita daquele livro mal começado, em que invento a história do meu bisavô que veio da Itália buscar os filhos porque não agüentava de saudade, mas os filhos, uns ingratos, não quiseram voltar a Salerno e ele morreu no navio de volta, sozinho. Morreu de saudade.
Tenho urgência de inventar esta história, pois não o conheci, não conheci nenhum dos meus avós, nem maternos nem paternos, não sei sequer o nome daquele bisavô, mas entre todos foi ele que escolhi. É por ele que sinto um carinho tão grande como se o tivesse conhecido a vida inteira.
Não me perguntem como isso é possível, não sei explicar meus sentimentos. Talvez dizendo que é como se um dia quando eu ainda era um bebê, ele tivesse me embalado em seu colo. Acho que assim fica mais fácil vocês entenderem.
Quando tinha uns seis, sete anos, ouvi pela primeira vez a música “Torna Sorriento” e comecei a chorar. Minha mãe me perguntou por que eu estava chorando e respondi que estava com saudade. Saudade de quem? Não sei, respondi. E continuei a chorar.
Sempre que me lembro disso, penso na possibilidade de a gente trazer no DNA algumas lembranças que foram tão fortes em nossos ancestrais, que as carregamos através das gerações.
Pois de outra forma, de onde viria aquela dor?
Tenho pressa. Preciso escrever esta história. Preciso telefonar para alguns amigos. Terminar de bordar uma almofada de veludo que comecei pra presentear uma amiga. Meu Deus! Quanta coisa inacabada... Dar os retoques finais a uma caixinha de chá, ler o Antigo Testamento, reler os poemas de Fernando Pessoa. Escrever um comentário sobre alguns livros. Visitar uma pessoa que ficou cega e que é muito, muito importante em minha vida.
Será que todas as pessoas têm, de vez em quando, este sentimento de urgência? É como se eu estivesse com uma das mãos cheia de areia e que por ser uma areia muito fina e muito seca, começasse a escorrer por entre os dedos, antes que eu chegue aonde quero chegar. Sim, acho que agora atino para o sentimento que me tomou hoje. Um novo ano se inicia e a alma também tem uma ampulheta...
(*) Jornalista, professora de Literatura Brasileira e Portuguesa e escritora, autora de “Eu: primeira pessoa, singular”, obra vencedora do Prêmio Teresa Martin de Literatura em júri composto por Ignácio de Loyola Brandão, Deonísio da Silva e José Louzeiro. Militante contra a última ditadura militar no Brasil.
domingo, 2 de agosto de 2009
Minha querida secretária eletrônica, por Juarez José Viaro
Juarez José Viaro (*)
Somos muito desumanos com nossos aparelhos eletrônicos. Na maioria das vezes não retribuímos a dedicação e fidelidade com que eles se empenham para nos prestarem serviços, faça sol ou faça chuva.
Esses abnegados auxiliares de nossos serviços domésticos e profissionais nem sempre recebem nossa atenção e carinho pelos serviços prestados em tantos anos de convivência. Quando lembramos de agradecer um aparelho de fax por ter transmitido documentos importantes de nossas vidas? Ou um aparelho telefônico de disco que durante anos foi fiel a nossos dedos quando esses buscaram números de algum ente querido para falar?
O avanço tecnológico tem sido muito cruel com esses aparelhos e nem sempre prestamos as devidas homenagens quando se tornam obsoletos e são substituídos por mais novos, mais avançados e mais eficientes.
Recentemente, minha velha secretária eletrônica veio a falecer... Depois de anos e anos prestados com fidelidade quase canina, anotando recados nem sempre educados de amigos e parentes, ela deixou de funcionar e partiu desta para uma melhor. Técnicos diagnosticaram pane eletrônica generalizada causada pela obsolescência de seus componentes que já não tinham reposição no mercado.
Pensei em prestar-lhe as devidas homenagens de praxe, nesse momento doloroso para mim. Segurei cuidadosamente sua caixa fria e envelhecida, envolvi com quatro cordões o corpo agora inerte e baixei vagarosamente na lata de lixo reciclável, numa cerimônia simples e solitária, mas cheia de emoção e saudades.
Minha secretária eletrônica foi assim sepultada e apagada de minha memória. Espero que minha nova secretária eletrônica, digital e moderna, faça jus na substituição de tão dedicada prestadora de serviços, que tantas saudades tem deixado.
(*) Juarez José Viaro é formado em Letras e Jornalismo. Publicou o livro de poemas “Aroma de Amora” e participou de movimentos literários em Osasco e São Paulo. Tem um romance inédito, “Viagem ao Interior”.
Somos muito desumanos com nossos aparelhos eletrônicos. Na maioria das vezes não retribuímos a dedicação e fidelidade com que eles se empenham para nos prestarem serviços, faça sol ou faça chuva.
Esses abnegados auxiliares de nossos serviços domésticos e profissionais nem sempre recebem nossa atenção e carinho pelos serviços prestados em tantos anos de convivência. Quando lembramos de agradecer um aparelho de fax por ter transmitido documentos importantes de nossas vidas? Ou um aparelho telefônico de disco que durante anos foi fiel a nossos dedos quando esses buscaram números de algum ente querido para falar?
O avanço tecnológico tem sido muito cruel com esses aparelhos e nem sempre prestamos as devidas homenagens quando se tornam obsoletos e são substituídos por mais novos, mais avançados e mais eficientes.
Recentemente, minha velha secretária eletrônica veio a falecer... Depois de anos e anos prestados com fidelidade quase canina, anotando recados nem sempre educados de amigos e parentes, ela deixou de funcionar e partiu desta para uma melhor. Técnicos diagnosticaram pane eletrônica generalizada causada pela obsolescência de seus componentes que já não tinham reposição no mercado.
Pensei em prestar-lhe as devidas homenagens de praxe, nesse momento doloroso para mim. Segurei cuidadosamente sua caixa fria e envelhecida, envolvi com quatro cordões o corpo agora inerte e baixei vagarosamente na lata de lixo reciclável, numa cerimônia simples e solitária, mas cheia de emoção e saudades.
Minha secretária eletrônica foi assim sepultada e apagada de minha memória. Espero que minha nova secretária eletrônica, digital e moderna, faça jus na substituição de tão dedicada prestadora de serviços, que tantas saudades tem deixado.
(*) Juarez José Viaro é formado em Letras e Jornalismo. Publicou o livro de poemas “Aroma de Amora” e participou de movimentos literários em Osasco e São Paulo. Tem um romance inédito, “Viagem ao Interior”.
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