Diferenças e coincidências, por Fábio de Lima
Fábio de Lima (*)
Não importa a cor dos seus olhos e nem da sua pele. Se você é preto, branco, amarelo ou vermelho – pouco importa. Você vai morrer. Não importa se você é gordo ou magro. Não importa se você é brasileiro, alemão, coreano ou nigeriano. Você vai morrer. Médico, padeiro, advogado, zelador – pouco importa. Não importa se você é evangélico, budista, católico ou ateu. Você vai morrer.
Não importa se viajou o mundo ou se nunca saiu da sua cidade do interior. Não importa se você gosta mais de feijoada ou bife à milanesa. Se você usa roupa social, esporte ou se é nudista – pouco importa. Você vai morrer. Não importa o jeito do seu cabelo e se o seu nariz é fino e levemente empinado. Não importa se tem filhos e nem se tem dinheiro ou não. Você vai morrer.
Não importa se leu os escritores consagrados ou não. Não importa se assistiu aos grandes cineastas ou não. Se você é gago, atleta, desdentado ou louco – pouco importa. Você vai morrer. Não importa se comeu muito, se deu muito, se chorou muito, se sorriu muito. Você vai morrer. Se você é doutor em alguma coisa ou se é analfabeto em todas as coisas ou, ainda, se é vidente – pouco importa. Você vai morrer.
Não importa sem tem uma casa linda, um carro lindo, uma vida linda. Não importa a dor dos seus planos, o prazer dos seus sonhos e todo aquele orgulho de ser alguém. Você vai morrer. Se você foi bom, ruim, mais ou menos, simpático ou antipático – pouco importa. Você vai morrer. Não importa o que dizem seus amigos, seus inimigos, seus professores e todos os especialistas em auto-ajuda. Você vai morrer.
Não importa se deu flores a quem amava, se brigou com quem odiava, se nunca aprendeu a tocar violão ou a pintar quadros. Você vai morrer. Se você bebeu ou não, se fumou ou não, se cheirou ou não – pouco importa. Não importa se você tinha um compromisso marcado para amanhã, se você não terminou a reforma da casa ou se você queria muito participar daquele curso. Você vai morrer.
Não importa o quanto o sol é bonito ou o quanto a chuva é bonita ou, ainda, o quanto o mundo é bonito ou não. Você vai morrer. Se você viveu o que tinha de viver ou se desperdiçou seu tempo imaginando outras vidas – pouco importa. Você vai morrer. Não importa se você vai para o céu ou para o inferno. Não importa se existe um outro lado, nem como ele é, caso exista. Você vai morrer e ponto final. A vida é feita de diferenças, de coincidências e de uma única certeza: morreremos.
(*) Jornalista e escritor, ou “contador de histórias”, como prefere ser chamado. Está escrevendo seu primeiro romance, DOCE DESESPERO, com publicação (ainda!) em data incerta.
quarta-feira, 28 de maio de 2008
segunda-feira, 26 de maio de 2008
Flores pra você, por Celamar Maione
Celamar Maione (*)
Sexta-feira, final de expediente. Dagoberto caminhava em direção ao carro carregando um buquê de rosas e uma caixa de bombons quando o celular tocou. Atendeu desequilibrando-se:
- Alô! Voltar para o escritório? Agora mesmo doutor Geraldo.
Em seguida, ligou para Lucinha avisando que adiariam a comemoração pelos seis meses de namoro. Antes de subir, encontrou a secretária do doutor Geraldo na portaria e teve uma idéia:
- Dona Conceição, esse buquê e essa caixa de bombons eram para minha namorada, mas vou ter que voltar para o escritório. Se incomoda de ficar com eles?
Sorridente, Dona Conceição esticou as mãos para pegá-los. Inês, vizinha de Lucinha, saía do elevador e viu a cena.
- Que vigarista, o namorado da Lucinha, cheio de graça com a loira. – pensou.
Quando chegou na vila, a primeira coisa que fez, foi bater na porta de Lucinha.
- E aí, tudo bem?
- Não. – pespondeu Lucinha, mal-humorada.
- Eu sei o motivo. É o Dagoberto.
- Como é que você sabe?
Inês fez suspense. Suspendeu as sobrancelhas. Parecia ter em mente, o segredo que destruiria a terra. Lucinha ficou nervosa.
- Fala! Anda! Você viu o Dagoberto com outra?
- Com uma loira de bunda grande. Entregava para ela um buquê de rosas vermelhas e uma caixa de bombons.
- Filho da mãe! Reunião, né? Mentiroso. Quem será a vagaba!?
- Vai ver é umazinha sem importância. Esquenta, não – falou Inês, falsamente.
- Ele me paga, Inês! Não confio mais em homem nenhum. Fui traída três vezes. Pensei que Dagoberto era diferente. Me enganei – falou com a voz embargada pela emoção.
Depois de envenenar a cabeça da vizinha, Inês foi embora, portando no coração a estranha felicidade dos invejosos. No dia seguinte, Dagoberto tentou falar com Lucinha, sem sucesso. Intrigado com a atitude da namorada, foi procurá-la pessoalmente. Antes, passou na floricultura e comprou um buquê de rosas. Tocou a campanhia, apreensivo. Foi recebido friamente.
-O que você quer?
- Eu é que pergunto. Por que você está fugindo de mim?
- Cara -de-pau, cafajeste e ainda tem o cinismo de perguntar!?
- Isso tudo é porque trabalhei ontem até mais tarde? – perguntou, sem entender.
- Quem era aquela loira da portaria?
- Loira da portaria? Ahhhhhh, sim, a dona Conceição?
- Então é verdade. Existe mesmo uma loira! A Inês tem razão.
- Ela é secretária do Doutor Geraldo.
- Mentira! Você deu um buquê de rosas pra vagaba bunduda!
Cega de ciúme, Lucinha gritava, recusando-se a ouvir Dagoberto. Inês deliciava-se com a briga. Por trás da janela de casa, apurava o ouvido e ria miúdo. Dagoberto silenciou. Foi embora, desanimado, pensando que, por mais que tentasse agradar, as mulheres nunca estavam satisfeitas. Quando passava em frente à casa de Inês, ela o convidou para tomar um café.
Fragilizado, aceitou e presenteou-a com o buquê de rosas. Enquanto conversavam, Inês fazia caras e bocas e jogava os longos cabelos em cima de Dagoberto. Ele despediu-se prometendo ligar no dia seguinte. Duas semanas depois estavam namorando. Para provocar a vizinha, num sábado chuvoso, Inês propôs ao namorado ficarem em casa assistindo um filme no DVD. Dengosa, ainda pediu:
- Quero que você me traga rosas vermelhas. Faço questão que sejam vermelhas!
Lucinha estava na janela quando viu Dagoberto entrar na vila com o buquê de rosas. Cheia de saudade, esperou, ansiosa, ele tocar a campanhia da sua casa. Não entendeu quando o ex se dirigiu para a porta da vizinha. Confusa e com o coração acelerado, perguntou para a irmã adolescente:
- Cibele, você sabe o que o Dagoberto está fazendo na casa da Inês?
- Ué, você não sabe?! Todo mundo na vila sabe. Estão namorando. Você não jogou o cara no lixo?! A Inês foi até a lixeira, sacudiu, passou paninho e pegou pra ela.
- Filha da mãe! Essa vadia me paga!
Saiu de casa com gosto de sangue na boca. Tocou a campanhia da rival, franzindo a testa, sacudindo as pernas e babando de raiva. A outra abriu a porta segurando o buquê, para provocá-la . O bate-boca começou . Aos gritos, Lucinha ordenou, descontrolada:
- Chama o Dagoberto! Quero falar com ele!
- Queridinha, Dagoberto agora é MEU NAMORADO! – respondeu cinicamente.
- Seu é o cacete ! Ele é meu, sua vagaba fofoqueira!
Começaram a se estapear. Rolaram no chão, amassando as rosas e machucando-se com os espinhos. Enquanto a vizinhança separarava a briga, Dagoberto saiu discretamente, prometendo nunca mais voltar. Na rua , encontrou um amigo de faculdade.:
- Dagoberto, o que você faz por aqui? Já casou? – perguntou brincando.
- Casar? Mulher é boa de vez em quando, se chegar muito perto, dá alergia. Principalmente na tal da TPM. Casamento é para os corajosos. Eu sou covarde.
- Então que tal um chope para comemorarmos o nosso reencontro e a vida de solteiro?
Entraram no botequim mais próximo. Com o copo de cerveja no alto, Dagoberto engrossou a voz e gritou para descontrair:
- Um brinde ao Flamengo! Dois a zero amanhã!
- Tá brincando! 3 a 2 Flusão! E de virada! Com o terceiro gol saindo aos 45 do segundo tempo. Aposta quanto?
Beberam até o dia clarear. O domingo nublado prometia um clássico para ficar na história.
(*) Radialista e jornalista, trabalhou como produtora, repórter e redatora nas Rádios Fm O DIA, Tropical e Rádio Globo. Foi Produtora-Executiva da Rádio Tupi. Lecionou Telemarketing, atendimento ao público e comportamento do Operador , mas sua paixão é escrever, notadamente poesias e contos.
Sexta-feira, final de expediente. Dagoberto caminhava em direção ao carro carregando um buquê de rosas e uma caixa de bombons quando o celular tocou. Atendeu desequilibrando-se:
- Alô! Voltar para o escritório? Agora mesmo doutor Geraldo.
Em seguida, ligou para Lucinha avisando que adiariam a comemoração pelos seis meses de namoro. Antes de subir, encontrou a secretária do doutor Geraldo na portaria e teve uma idéia:
- Dona Conceição, esse buquê e essa caixa de bombons eram para minha namorada, mas vou ter que voltar para o escritório. Se incomoda de ficar com eles?
Sorridente, Dona Conceição esticou as mãos para pegá-los. Inês, vizinha de Lucinha, saía do elevador e viu a cena.
- Que vigarista, o namorado da Lucinha, cheio de graça com a loira. – pensou.
Quando chegou na vila, a primeira coisa que fez, foi bater na porta de Lucinha.
- E aí, tudo bem?
- Não. – pespondeu Lucinha, mal-humorada.
- Eu sei o motivo. É o Dagoberto.
- Como é que você sabe?
Inês fez suspense. Suspendeu as sobrancelhas. Parecia ter em mente, o segredo que destruiria a terra. Lucinha ficou nervosa.
- Fala! Anda! Você viu o Dagoberto com outra?
- Com uma loira de bunda grande. Entregava para ela um buquê de rosas vermelhas e uma caixa de bombons.
- Filho da mãe! Reunião, né? Mentiroso. Quem será a vagaba!?
- Vai ver é umazinha sem importância. Esquenta, não – falou Inês, falsamente.
- Ele me paga, Inês! Não confio mais em homem nenhum. Fui traída três vezes. Pensei que Dagoberto era diferente. Me enganei – falou com a voz embargada pela emoção.
Depois de envenenar a cabeça da vizinha, Inês foi embora, portando no coração a estranha felicidade dos invejosos. No dia seguinte, Dagoberto tentou falar com Lucinha, sem sucesso. Intrigado com a atitude da namorada, foi procurá-la pessoalmente. Antes, passou na floricultura e comprou um buquê de rosas. Tocou a campanhia, apreensivo. Foi recebido friamente.
-O que você quer?
- Eu é que pergunto. Por que você está fugindo de mim?
- Cara -de-pau, cafajeste e ainda tem o cinismo de perguntar!?
- Isso tudo é porque trabalhei ontem até mais tarde? – perguntou, sem entender.
- Quem era aquela loira da portaria?
- Loira da portaria? Ahhhhhh, sim, a dona Conceição?
- Então é verdade. Existe mesmo uma loira! A Inês tem razão.
- Ela é secretária do Doutor Geraldo.
- Mentira! Você deu um buquê de rosas pra vagaba bunduda!
Cega de ciúme, Lucinha gritava, recusando-se a ouvir Dagoberto. Inês deliciava-se com a briga. Por trás da janela de casa, apurava o ouvido e ria miúdo. Dagoberto silenciou. Foi embora, desanimado, pensando que, por mais que tentasse agradar, as mulheres nunca estavam satisfeitas. Quando passava em frente à casa de Inês, ela o convidou para tomar um café.
Fragilizado, aceitou e presenteou-a com o buquê de rosas. Enquanto conversavam, Inês fazia caras e bocas e jogava os longos cabelos em cima de Dagoberto. Ele despediu-se prometendo ligar no dia seguinte. Duas semanas depois estavam namorando. Para provocar a vizinha, num sábado chuvoso, Inês propôs ao namorado ficarem em casa assistindo um filme no DVD. Dengosa, ainda pediu:
- Quero que você me traga rosas vermelhas. Faço questão que sejam vermelhas!
Lucinha estava na janela quando viu Dagoberto entrar na vila com o buquê de rosas. Cheia de saudade, esperou, ansiosa, ele tocar a campanhia da sua casa. Não entendeu quando o ex se dirigiu para a porta da vizinha. Confusa e com o coração acelerado, perguntou para a irmã adolescente:
- Cibele, você sabe o que o Dagoberto está fazendo na casa da Inês?
- Ué, você não sabe?! Todo mundo na vila sabe. Estão namorando. Você não jogou o cara no lixo?! A Inês foi até a lixeira, sacudiu, passou paninho e pegou pra ela.
- Filha da mãe! Essa vadia me paga!
Saiu de casa com gosto de sangue na boca. Tocou a campanhia da rival, franzindo a testa, sacudindo as pernas e babando de raiva. A outra abriu a porta segurando o buquê, para provocá-la . O bate-boca começou . Aos gritos, Lucinha ordenou, descontrolada:
- Chama o Dagoberto! Quero falar com ele!
- Queridinha, Dagoberto agora é MEU NAMORADO! – respondeu cinicamente.
- Seu é o cacete ! Ele é meu, sua vagaba fofoqueira!
Começaram a se estapear. Rolaram no chão, amassando as rosas e machucando-se com os espinhos. Enquanto a vizinhança separarava a briga, Dagoberto saiu discretamente, prometendo nunca mais voltar. Na rua , encontrou um amigo de faculdade.:
- Dagoberto, o que você faz por aqui? Já casou? – perguntou brincando.
- Casar? Mulher é boa de vez em quando, se chegar muito perto, dá alergia. Principalmente na tal da TPM. Casamento é para os corajosos. Eu sou covarde.
- Então que tal um chope para comemorarmos o nosso reencontro e a vida de solteiro?
Entraram no botequim mais próximo. Com o copo de cerveja no alto, Dagoberto engrossou a voz e gritou para descontrair:
- Um brinde ao Flamengo! Dois a zero amanhã!
- Tá brincando! 3 a 2 Flusão! E de virada! Com o terceiro gol saindo aos 45 do segundo tempo. Aposta quanto?
Beberam até o dia clarear. O domingo nublado prometia um clássico para ficar na história.
(*) Radialista e jornalista, trabalhou como produtora, repórter e redatora nas Rádios Fm O DIA, Tropical e Rádio Globo. Foi Produtora-Executiva da Rádio Tupi. Lecionou Telemarketing, atendimento ao público e comportamento do Operador , mas sua paixão é escrever, notadamente poesias e contos.
quinta-feira, 22 de maio de 2008
Chamando Isaura, por Evelyne Furtado
Evelyne Furtado (*)
Passei e vi a casa quase toda ao chão. Não a derrubaram toda. Ficou uma boa parte em pé. Não sou saudosista. Até achei que havia resolvido esse assunto da venda da casa dos meus avôs. Mas não. Naquele momento percebi que não era mais a nossa casa. Deu-me vontade de entrar e chamar Isaura, a prima da minha avó que morava lá e sempre estava em casa. Deu saudade de Isaura, que embalou todos os netos com meiguice. E nem éramos netos dela. Éramos netos de sua prima. Desde aquele dia, eu calo o grito que chamaria Isaura e me faria entrar na casa que representava alegria, brincadeiras e segurança.
Quando menina, eu adorava escutar a conversa entre a minha bisavó Anna, Soledade, uma moça que costurava e morava na casa e Isaura. Viajava no tempo com elas e voltava enriquecida de lá. Minha memória abriga a vida no começo do século XX, com certa familiaridade. Como se tivesse vivido na época, em razão desse convívio.
Aquela casa evoca muitos sentimentos. Alegres e tristes. Todavia lá eu me sentia segura. Ali eu encontrava os livros maravilhosos de meu avô; ali via a família reunida; ali eu levava meus amigos. E ali vivi dores e perdas também.
Mas hoje eu quero chamar Isaura. A moça que não casou e foi morar com parentes, mas que não tinha nada da solteirona amarga. Ao contrário, era dona de uma doçura discreta. Era tímida, mas adorava conversar.
Para mim, só tinha um defeito: protegia meu primo Cláudio, que foi um dos meninos mais danados que conheci. Isaura era a advogada dele e defendia seu cliente com fervor. A mim, aquilo era injusto, pois ele aprontava todas. Hoje acho bonita essa atitude e aceito a predileção dela.
De repente, me vejo junto a Luiz Henrique, outro primo, ao redor da mesa, esperando Isaura terminar de bater os bolos. A gente ficava conversando e quando ela passava as duas tigelas para as assadeiras, era a hora de nos esbaldarmos nas sobras da massa dos bolos mesclados com chocolate.
Hoje a minha saudade da casa veio por meio de Isaura. De suas histórias, como a de ter tido que se abrigar durante a noite em casa de estranhos quando a Intentona Comunista chegou a Natal. Ou a de um naufrágio ocorrido quando um cunhado seu era faroleiro na Praia de Touros (RN).
Isaura que teve um noivo, não casou. Um dia me disse que sonhava muito com alianças. Ela não conhecia os significados dos sonhos, mas, em minha opinião, as tais alianças oníricas afloravam o seu desejo de ter alguém.
Todavia, se a vida a decepcionara por não ter lhe dado marido e filhos, ela não reclamava e oferecia sua doçura aos sobrinhos que a visitavam e a nós seus netos de coração.
Após tanto tempo a casa mudou de donos. Não é mais nossa. E não vai adiantar chamar Isaura ao entrar pelos jardins ou pelo portão da cozinha.
O assunto da casa dos meus avós termina aqui. Termina com Isaura, a moradora mais recatada e verdadeira guardiã daquela casa, de onde só saía para ir à missa. Termina com esse contato com ela, que deve estar no céu rodeada de anjos-namorados, pois se Isaura não tiver direito a esse céu, ninguém mais terá.
(*) Jornalista, poetisa e cronista em Natal/RN
Passei e vi a casa quase toda ao chão. Não a derrubaram toda. Ficou uma boa parte em pé. Não sou saudosista. Até achei que havia resolvido esse assunto da venda da casa dos meus avôs. Mas não. Naquele momento percebi que não era mais a nossa casa. Deu-me vontade de entrar e chamar Isaura, a prima da minha avó que morava lá e sempre estava em casa. Deu saudade de Isaura, que embalou todos os netos com meiguice. E nem éramos netos dela. Éramos netos de sua prima. Desde aquele dia, eu calo o grito que chamaria Isaura e me faria entrar na casa que representava alegria, brincadeiras e segurança.
Quando menina, eu adorava escutar a conversa entre a minha bisavó Anna, Soledade, uma moça que costurava e morava na casa e Isaura. Viajava no tempo com elas e voltava enriquecida de lá. Minha memória abriga a vida no começo do século XX, com certa familiaridade. Como se tivesse vivido na época, em razão desse convívio.
Aquela casa evoca muitos sentimentos. Alegres e tristes. Todavia lá eu me sentia segura. Ali eu encontrava os livros maravilhosos de meu avô; ali via a família reunida; ali eu levava meus amigos. E ali vivi dores e perdas também.
Mas hoje eu quero chamar Isaura. A moça que não casou e foi morar com parentes, mas que não tinha nada da solteirona amarga. Ao contrário, era dona de uma doçura discreta. Era tímida, mas adorava conversar.
Para mim, só tinha um defeito: protegia meu primo Cláudio, que foi um dos meninos mais danados que conheci. Isaura era a advogada dele e defendia seu cliente com fervor. A mim, aquilo era injusto, pois ele aprontava todas. Hoje acho bonita essa atitude e aceito a predileção dela.
De repente, me vejo junto a Luiz Henrique, outro primo, ao redor da mesa, esperando Isaura terminar de bater os bolos. A gente ficava conversando e quando ela passava as duas tigelas para as assadeiras, era a hora de nos esbaldarmos nas sobras da massa dos bolos mesclados com chocolate.
Hoje a minha saudade da casa veio por meio de Isaura. De suas histórias, como a de ter tido que se abrigar durante a noite em casa de estranhos quando a Intentona Comunista chegou a Natal. Ou a de um naufrágio ocorrido quando um cunhado seu era faroleiro na Praia de Touros (RN).
Isaura que teve um noivo, não casou. Um dia me disse que sonhava muito com alianças. Ela não conhecia os significados dos sonhos, mas, em minha opinião, as tais alianças oníricas afloravam o seu desejo de ter alguém.
Todavia, se a vida a decepcionara por não ter lhe dado marido e filhos, ela não reclamava e oferecia sua doçura aos sobrinhos que a visitavam e a nós seus netos de coração.
Após tanto tempo a casa mudou de donos. Não é mais nossa. E não vai adiantar chamar Isaura ao entrar pelos jardins ou pelo portão da cozinha.
O assunto da casa dos meus avós termina aqui. Termina com Isaura, a moradora mais recatada e verdadeira guardiã daquela casa, de onde só saía para ir à missa. Termina com esse contato com ela, que deve estar no céu rodeada de anjos-namorados, pois se Isaura não tiver direito a esse céu, ninguém mais terá.
(*) Jornalista, poetisa e cronista em Natal/RN
quarta-feira, 14 de maio de 2008
Nostálgica demais, por Letícia Nascimento
Letícia Nascimento (*)
“Se pudesse guardava todas as coisas boas da minha vida dentro de um vidro. Guardaria as cartas de amigos, as fotos de infância, as palavras que me fizeram sorrir, o barulho das gargalhadas, o gosto do bolo de chocolate que ganhei de aniversário.
Queria ter o poder de voltar no tempo, não para fazer o que deixei pra trás. Mas pra reviver as piadas, as brincadeiras, as danças... Reencontrar os olhares, sentir os antigos abraços, voltar a achar que todos os lugares eram grandes demais.
Se pudesse escolher uma viagem, retornaria para o verão de 92/93. Praia, primas, música, shows improvisados, teatros para a família. Medo das ondas, cuidados com o irmão pequeno, Frutilly de framboesa com recheio de baunilha, passeio no parquinho e chiclete pro ouvido não tapar na hora que passasse pela Serra do Mar. Momentos que ficaram nas fotografias.
Se fosse pra regressar à adolescência não deixaria de visitar as rodas de conversa na calçada, os sorvetes na praça, os ensaios para os shows da igreja. Não esqueceria de cruzar Lorena de bicicleta, esconder os diários, escrever em códigos, falar por horas ao telefone, ter vontade de completar 18 anos, acreditar que todo garoto é galinha e sempre me apaixonar pelos meninos que não faziam o perfil da família. Impossível não reviver as tardes de estudo, filmes, pipoca e fofoca. As colas das provas de Biologia, pensar nas apresentações mais mirabolantes para os trabalhos da escola. Escolher o curso superior e a faculdade, enfrentar o monstro do vestibular.
Por que o tempo passa? Por que nem todas as pessoas permanecem? Estou com saudades...
Saudades do meu avô, dos meus amigos de infância, das antigas professoras, das tardes que não eram perdidas em uma sala repleta de computadores e pessoas congelando com o ar condicionado. Seria eu uma louca que não aprendeu que somos obrigados a crescer?
Mais uma vez sinto orgulho de Luiza. Uma bailarina do papel, inventando sempre sua dança com o pensamento no passado. Mas às vezes tenho pena de Luiza. Nostálgica demais para uma menina mulher de apenas 21 anos.
(*) Estudante do 4º ano de Jornalismo das Faculdades Integradas Teresa D'Ávilla (FATEA), de Lorena-SP.
“Se pudesse guardava todas as coisas boas da minha vida dentro de um vidro. Guardaria as cartas de amigos, as fotos de infância, as palavras que me fizeram sorrir, o barulho das gargalhadas, o gosto do bolo de chocolate que ganhei de aniversário.
Queria ter o poder de voltar no tempo, não para fazer o que deixei pra trás. Mas pra reviver as piadas, as brincadeiras, as danças... Reencontrar os olhares, sentir os antigos abraços, voltar a achar que todos os lugares eram grandes demais.
Se pudesse escolher uma viagem, retornaria para o verão de 92/93. Praia, primas, música, shows improvisados, teatros para a família. Medo das ondas, cuidados com o irmão pequeno, Frutilly de framboesa com recheio de baunilha, passeio no parquinho e chiclete pro ouvido não tapar na hora que passasse pela Serra do Mar. Momentos que ficaram nas fotografias.
Se fosse pra regressar à adolescência não deixaria de visitar as rodas de conversa na calçada, os sorvetes na praça, os ensaios para os shows da igreja. Não esqueceria de cruzar Lorena de bicicleta, esconder os diários, escrever em códigos, falar por horas ao telefone, ter vontade de completar 18 anos, acreditar que todo garoto é galinha e sempre me apaixonar pelos meninos que não faziam o perfil da família. Impossível não reviver as tardes de estudo, filmes, pipoca e fofoca. As colas das provas de Biologia, pensar nas apresentações mais mirabolantes para os trabalhos da escola. Escolher o curso superior e a faculdade, enfrentar o monstro do vestibular.
Por que o tempo passa? Por que nem todas as pessoas permanecem? Estou com saudades...
Saudades do meu avô, dos meus amigos de infância, das antigas professoras, das tardes que não eram perdidas em uma sala repleta de computadores e pessoas congelando com o ar condicionado. Seria eu uma louca que não aprendeu que somos obrigados a crescer?
Mais uma vez sinto orgulho de Luiza. Uma bailarina do papel, inventando sempre sua dança com o pensamento no passado. Mas às vezes tenho pena de Luiza. Nostálgica demais para uma menina mulher de apenas 21 anos.
(*) Estudante do 4º ano de Jornalismo das Faculdades Integradas Teresa D'Ávilla (FATEA), de Lorena-SP.
segunda-feira, 12 de maio de 2008
O jogo, por Rodrigo Ramazzini
Rodrigo Ramazzini (*)
- Par.
- Impar. Um, dois, três e já!
- Ganhei! A bola é nossa.
Era um jogo de futebol aguardado há muito tempo pela turma do Carlinhos. Era contra “o time da rua” do Cabeça, que ficava distante duas quadras. O jogo aconteceria em frente à casa do Carlinhos, na rua mesmo, tendo como “gramado” o chão batido. As goleiras mediam um passo “dos grandes” do Flavinho, atacante do time do Cabeça, e eram marcadas com dois tijolos deixados no chão. Logicamente, não havia travessão. As demarcações “do campo” tinham como linhas laterais o começo das calçadas das casas. As linhas de fundo e central foram desenhadas.
A puída bola foi colocada no centro. Cada time tinha cinco jogadores de linha. Devido ao tamanho da goleira, não se colocava goleiro. Ficou combinado também que o jogo iniciaria naquele momento e só acabaria quando o sol houvesse se “posto”, e não fosse mais possível enxergar a bola. Quem perdesse a partida pagava um refrigerante de 2,5 litros ao adversário.
O jogo começou com certa vantagem para o time do Cabeça, que logo no inicio marcou dois gols. Além da abertura do placar, os problemas de se realizar aquele jogo no meio da rua também começaram, apesar de já ser praxe. O primeiro episódio aconteceu com a Dona Odete, conhecida como “Índia” pelo pessoal do bairro. Ela passava até com certa distância do campo de jogo. Porém, no calor do jogo, e sem medir as conseqüências, durante um ataque do time do Cabeça, o Gordo, zagueiro do time do Carlinhos, afastou a bola para fora do campo com um “bicão” para cima. E, com uma falta de sorte danada, a bola caiu na cabeça da Índia, vindo a derrubar os seus óculos. Por sorte nem arranhou. Os xingamentos “ofertados” pela Dona Odete paralisaram a partida por alguns instantes, porém, logo foram esquecidos e jogo recomeçou.
O placar marcava 6 a 3 para o time do Cabeça quando o jogo sofre nova paralisação, desta vez por causa de uma “batida”. Foi em uma disputa aérea pela bola, no meio “do campo”, o Banana e o Maninho chocaram-se de cabeça. O Maninho nada sofreu, mas o Banana não teve a mesma sorte. Um corte abriu-se na nuca. Uma grande quantidade de sangue escorreu, o que assustou a todos. O Juca da Barbearia, que fica na esquina da rua, o conduziu até o hospital.
Passado o susto, o jogo reinicia, e logo no primeiro lance, novamente o zagueiro Gordo ricocheteia a bola de canela, e ela acaba subindo. Sobe tanto que acaba batendo nos fios de luz. Foi aquela correria! Como os fios se tocaram, um princípio de curto-circuito iniciou, saindo grande quantidade de faísca.
Tranqüilizados por não terem interrompido o fornecimento de energia elétrica na rua, o jogo recomeça com a vantagem no placar para o time do Cabeça, com a diferença de um gol, 14 a 13. E essa aproximação no placar acirra os ânimos no “campo”. Faltas violentas, reclamações e discussões começam entre os dois times. E em uma dessas faltas, cometida pelo Cabeça sobre o Carlinhos na ponta-direita, durante a reclamação pela marcação, indignado, o Cabeça chutou a bola para o lado. Com uma precisão impressionante, a bola passou por dentre dois galhos de uma árvore e atingiu certeiramente o vidro da janela da sala do Seu Floriano. Quando os jogadores ameaçam correr, o Seu Floriano aparece na janela e apazigua – Eu sei como é. Já tive a idade de vocês! Com o perdão do Seu Floriano, a bola foi colocada no local da falta e voltou a rolar.
O Sol já desaparecia no horizonte. A partida estava próxima do fim. Foi então que aconteceu o lance polêmico. O Carlinhos driblou três jogadores do time do Cabeça e chutou. A bola tomou certa altura e passou no alto dentre os dois tijolos (goleira). Como as “goleiras” não tinham travessões, o critério para validar um gol, neste caso, era subjetivo. Dependia da altura, que ninguém sabia qual era a correta. Para uns foi gol, para outros não. Gol esse que se validado empataria a partida. Daí iniciou-se a confusão! Foi aquele bate-boca, empurra daqui, ameaça dali, e com as provocações, o Carlinhos e o Cabeça começaram a brigar, com os demais jogadores apenas “incentivando”. Trocavam socos no meio da rua quando apareceu na janela de casa a mãe do Carlinhos, gritando – O que é isso Carlos! Passa para dentro! Vamos acabar com esse jogo. Onde já se viu brigar na rua! Passa para dentro!
E como o Carlinhos era o dono da bola, a partida se encerrou sem se definir o placar. Mas um novo jogo já foi marcado para semana que vem...
(*) Jornalista e cronista
- Par.
- Impar. Um, dois, três e já!
- Ganhei! A bola é nossa.
Era um jogo de futebol aguardado há muito tempo pela turma do Carlinhos. Era contra “o time da rua” do Cabeça, que ficava distante duas quadras. O jogo aconteceria em frente à casa do Carlinhos, na rua mesmo, tendo como “gramado” o chão batido. As goleiras mediam um passo “dos grandes” do Flavinho, atacante do time do Cabeça, e eram marcadas com dois tijolos deixados no chão. Logicamente, não havia travessão. As demarcações “do campo” tinham como linhas laterais o começo das calçadas das casas. As linhas de fundo e central foram desenhadas.
A puída bola foi colocada no centro. Cada time tinha cinco jogadores de linha. Devido ao tamanho da goleira, não se colocava goleiro. Ficou combinado também que o jogo iniciaria naquele momento e só acabaria quando o sol houvesse se “posto”, e não fosse mais possível enxergar a bola. Quem perdesse a partida pagava um refrigerante de 2,5 litros ao adversário.
O jogo começou com certa vantagem para o time do Cabeça, que logo no inicio marcou dois gols. Além da abertura do placar, os problemas de se realizar aquele jogo no meio da rua também começaram, apesar de já ser praxe. O primeiro episódio aconteceu com a Dona Odete, conhecida como “Índia” pelo pessoal do bairro. Ela passava até com certa distância do campo de jogo. Porém, no calor do jogo, e sem medir as conseqüências, durante um ataque do time do Cabeça, o Gordo, zagueiro do time do Carlinhos, afastou a bola para fora do campo com um “bicão” para cima. E, com uma falta de sorte danada, a bola caiu na cabeça da Índia, vindo a derrubar os seus óculos. Por sorte nem arranhou. Os xingamentos “ofertados” pela Dona Odete paralisaram a partida por alguns instantes, porém, logo foram esquecidos e jogo recomeçou.
O placar marcava 6 a 3 para o time do Cabeça quando o jogo sofre nova paralisação, desta vez por causa de uma “batida”. Foi em uma disputa aérea pela bola, no meio “do campo”, o Banana e o Maninho chocaram-se de cabeça. O Maninho nada sofreu, mas o Banana não teve a mesma sorte. Um corte abriu-se na nuca. Uma grande quantidade de sangue escorreu, o que assustou a todos. O Juca da Barbearia, que fica na esquina da rua, o conduziu até o hospital.
Passado o susto, o jogo reinicia, e logo no primeiro lance, novamente o zagueiro Gordo ricocheteia a bola de canela, e ela acaba subindo. Sobe tanto que acaba batendo nos fios de luz. Foi aquela correria! Como os fios se tocaram, um princípio de curto-circuito iniciou, saindo grande quantidade de faísca.
Tranqüilizados por não terem interrompido o fornecimento de energia elétrica na rua, o jogo recomeça com a vantagem no placar para o time do Cabeça, com a diferença de um gol, 14 a 13. E essa aproximação no placar acirra os ânimos no “campo”. Faltas violentas, reclamações e discussões começam entre os dois times. E em uma dessas faltas, cometida pelo Cabeça sobre o Carlinhos na ponta-direita, durante a reclamação pela marcação, indignado, o Cabeça chutou a bola para o lado. Com uma precisão impressionante, a bola passou por dentre dois galhos de uma árvore e atingiu certeiramente o vidro da janela da sala do Seu Floriano. Quando os jogadores ameaçam correr, o Seu Floriano aparece na janela e apazigua – Eu sei como é. Já tive a idade de vocês! Com o perdão do Seu Floriano, a bola foi colocada no local da falta e voltou a rolar.
O Sol já desaparecia no horizonte. A partida estava próxima do fim. Foi então que aconteceu o lance polêmico. O Carlinhos driblou três jogadores do time do Cabeça e chutou. A bola tomou certa altura e passou no alto dentre os dois tijolos (goleira). Como as “goleiras” não tinham travessões, o critério para validar um gol, neste caso, era subjetivo. Dependia da altura, que ninguém sabia qual era a correta. Para uns foi gol, para outros não. Gol esse que se validado empataria a partida. Daí iniciou-se a confusão! Foi aquele bate-boca, empurra daqui, ameaça dali, e com as provocações, o Carlinhos e o Cabeça começaram a brigar, com os demais jogadores apenas “incentivando”. Trocavam socos no meio da rua quando apareceu na janela de casa a mãe do Carlinhos, gritando – O que é isso Carlos! Passa para dentro! Vamos acabar com esse jogo. Onde já se viu brigar na rua! Passa para dentro!
E como o Carlinhos era o dono da bola, a partida se encerrou sem se definir o placar. Mas um novo jogo já foi marcado para semana que vem...
(*) Jornalista e cronista
sexta-feira, 9 de maio de 2008
Quando já é tarde, por Cecília França
Cecília França (*)
Saía deixando ao fundo um salão imerso em conversas animadas que adentrariam a madrugada. Foi pedido para que ficasse e participasse com antigos companheiros da comemoração que, enfim, também era dela. Mas alguém a esperava em casa, como todas as noites, para o jantar seguido da leitura que culminava com o ressonar na poltrona da sala.
Estava prestes a cruzar a porta de saída quando ouviu a voz. Ele lhe parabenizava pelo prêmio que acabara de receber por sua estimável contribuição ao jornalismo. Não se virou repentinamente. Curtiu por alguns segundos aquela sensação de reencontro sobre a qual tanto escrevera. Percebeu, então, que seus textos jamais conseguiram mensurar a satisfação que sentia naquela hora.
Quando finalmente olhou para o canto do salão, onde a penumbra prejudicava ainda mais sua cansada visão, a primeira coisa que enxergou foi uma bengala. A figura começou a ganhar contornos nítidos ao passo que se aproximava dela. Não imaginava que ele estaria assim, tão mudado. Ela, com seus sessenta e cinco anos completos, ainda conservava o sorriso gracioso da juventude; ele, no entanto, apesar de pouco mais velho, apresentava uma decrepitude espantosa.
As rugas dominavam seu rosto abatido e seu cabelo estava ralo como o de uma criança. A bengala servia de apoio para uma coluna gasta pelo péssimo hábito de permanecer sentado praticamente todo o dia. A despeito disso, o olhar que tanto a perturbara na mocidade permanecia intacto e tentando penetrá-la como outrora.
Deu-lhe os parabéns sem aproximar-se muito. Embora já fosse um escritor renomado, poucos conheciam seu rosto. Menosprezava eventos sociais e ela sabia que, se ele estava ali naquela hora, era por ela.
- Confesso que estou surpresa em vê-lo aqui.
- Eu também me surpreendi comigo mesmo quando decidi vir. Mas você não vai participar da sua festa?
- Não, já tenho compromisso.
- Não tem tempo nem para um café antes de dormir?
Disse que não, pois decidira há anos afastar-se dele por completo e não declinaria agora que já superara todas as sensações de paixão que ele lhe causava. Repetiu que alguém a esperava em casa. Ele não acreditou. Sabia que ela enviuvara poucos anos antes. Acompanhara seus passos por quase quarenta anos como um vigilante escondido nas sombras.
- Eu a quis pra mim – disse com uma sinceridade que não lhe era peculiar.
- Eu também o quis – ela há muito perdera o medo de declarar seus sentimentos.
- Mas nós nos desperdiçamos e sobraram apenas esses velhos pálidos, carentes das cores que deveriam ter imprimido em si na juventude. Telas gastas já não refletem a beleza da paisagem avistada.
- Mas continuam a decorar.
- Mais por piedade de seus donos que por merecimento. Não podemos ser protagonistas de um amor carcomido pelo tempo, do qual nem mesmo o rancor sobreviveu. Resta apenas a incoerente gratidão.
- Você prefere ficar sozinha?
- Quem é você para me falar em solidão? Você que se gabava de tê-la abraçado como companheira e usava-a como escudo para suas desilusões. Não, não sou eu quem a aprecio. Mas hoje já não a renego. Se ela me escolheu, é o que me resta.
- Muito me admira ouvir isso de você, sempre tão determinada.
Queria explicar a ele que não mudara suas características, que, ao invés, tornara-as ainda mais fortes, mas estava cansada demais para isso. Sem falar aproximou-se dele com passos firmes e tocou seus ombros com cuidado tentando reviver o primeiro contato físico de anos atrás. Seus lábios então esqueceram a velhice e se aventuraram num longo, forte e faminto beijo, como jamais haviam trocado.
Quando reabriu os olhos já não o via como um senil, mas como o homem que poderia ter controlado sua vida, se quisesse. Naquele momento ela já era muito dona de si para permitir isso. Virou-se com a mesma firmeza e deixou o salão ouvindo, ao fundo, seus clamores por um fim de vida juntos. Não era o que ela queria. Preferia conservá-lo, para sempre, como lembrança.
(*) Jornalista
Saía deixando ao fundo um salão imerso em conversas animadas que adentrariam a madrugada. Foi pedido para que ficasse e participasse com antigos companheiros da comemoração que, enfim, também era dela. Mas alguém a esperava em casa, como todas as noites, para o jantar seguido da leitura que culminava com o ressonar na poltrona da sala.
Estava prestes a cruzar a porta de saída quando ouviu a voz. Ele lhe parabenizava pelo prêmio que acabara de receber por sua estimável contribuição ao jornalismo. Não se virou repentinamente. Curtiu por alguns segundos aquela sensação de reencontro sobre a qual tanto escrevera. Percebeu, então, que seus textos jamais conseguiram mensurar a satisfação que sentia naquela hora.
Quando finalmente olhou para o canto do salão, onde a penumbra prejudicava ainda mais sua cansada visão, a primeira coisa que enxergou foi uma bengala. A figura começou a ganhar contornos nítidos ao passo que se aproximava dela. Não imaginava que ele estaria assim, tão mudado. Ela, com seus sessenta e cinco anos completos, ainda conservava o sorriso gracioso da juventude; ele, no entanto, apesar de pouco mais velho, apresentava uma decrepitude espantosa.
As rugas dominavam seu rosto abatido e seu cabelo estava ralo como o de uma criança. A bengala servia de apoio para uma coluna gasta pelo péssimo hábito de permanecer sentado praticamente todo o dia. A despeito disso, o olhar que tanto a perturbara na mocidade permanecia intacto e tentando penetrá-la como outrora.
Deu-lhe os parabéns sem aproximar-se muito. Embora já fosse um escritor renomado, poucos conheciam seu rosto. Menosprezava eventos sociais e ela sabia que, se ele estava ali naquela hora, era por ela.
- Confesso que estou surpresa em vê-lo aqui.
- Eu também me surpreendi comigo mesmo quando decidi vir. Mas você não vai participar da sua festa?
- Não, já tenho compromisso.
- Não tem tempo nem para um café antes de dormir?
Disse que não, pois decidira há anos afastar-se dele por completo e não declinaria agora que já superara todas as sensações de paixão que ele lhe causava. Repetiu que alguém a esperava em casa. Ele não acreditou. Sabia que ela enviuvara poucos anos antes. Acompanhara seus passos por quase quarenta anos como um vigilante escondido nas sombras.
- Eu a quis pra mim – disse com uma sinceridade que não lhe era peculiar.
- Eu também o quis – ela há muito perdera o medo de declarar seus sentimentos.
- Mas nós nos desperdiçamos e sobraram apenas esses velhos pálidos, carentes das cores que deveriam ter imprimido em si na juventude. Telas gastas já não refletem a beleza da paisagem avistada.
- Mas continuam a decorar.
- Mais por piedade de seus donos que por merecimento. Não podemos ser protagonistas de um amor carcomido pelo tempo, do qual nem mesmo o rancor sobreviveu. Resta apenas a incoerente gratidão.
- Você prefere ficar sozinha?
- Quem é você para me falar em solidão? Você que se gabava de tê-la abraçado como companheira e usava-a como escudo para suas desilusões. Não, não sou eu quem a aprecio. Mas hoje já não a renego. Se ela me escolheu, é o que me resta.
- Muito me admira ouvir isso de você, sempre tão determinada.
Queria explicar a ele que não mudara suas características, que, ao invés, tornara-as ainda mais fortes, mas estava cansada demais para isso. Sem falar aproximou-se dele com passos firmes e tocou seus ombros com cuidado tentando reviver o primeiro contato físico de anos atrás. Seus lábios então esqueceram a velhice e se aventuraram num longo, forte e faminto beijo, como jamais haviam trocado.
Quando reabriu os olhos já não o via como um senil, mas como o homem que poderia ter controlado sua vida, se quisesse. Naquele momento ela já era muito dona de si para permitir isso. Virou-se com a mesma firmeza e deixou o salão ouvindo, ao fundo, seus clamores por um fim de vida juntos. Não era o que ela queria. Preferia conservá-lo, para sempre, como lembrança.
(*) Jornalista
quarta-feira, 7 de maio de 2008
Bolero de Ravel, por Elizabeth Misciasci
Elizabeth Misciasci (*)
Uma enorme poltrona de balanço num canto da sala, aonde ao repousar seu corpo cansado, alimentava a recordação de fatos passados.
O imenso cômodo que alojava inúmeras peças de arte, naquele momento, tornava-se apenas um refúgio, que de forma aconchegante acolhia uma mulher e seus pensamentos. Com uma taça de Ca´Bianca Barolo nas mãos e impulsionando um balançar suave podia contemplar seus dias, observando a garoa fina que pela fresta da janela despia-se aos seus olhos.
Prevendo o fim daquele tempo, temendo adormecer, Ana tocou Bolero de Ravel, mas ousou Chopin e retornou aos seus imperiosos pensamentos, lá estava um corpo e um coração hospedados em um cobiçado vison francês se delatando em fantasias.
Imbuída no tinto vinho que lhe adoçava o paladar, inclinou o olhar e passou a fitar diante de si um oculto ser, que lhe retirando a taça das mãos, convidou-a a uma dança.
Por onde entrou, pra onde iria, estava bem longe de um mérito a ser julgado, bem como, sem poder precisar se se tratava de um imaginoso sonho ou emane fantasia, deixou-se levar.
Tentou desvendar quem seria o enigmático ser a acompanhá-la naquela estonteante aventura, mas fazendo-se nublada visão desistira, apenas se permitindo.
As lembranças que a levaram no início da noite àquela poltrona de balanço, já se faziam fortuito passado e, entre gargalhadas rodopiava atrevendo-se a compor letra já sob a quinta sinfonia.
Eis que o soar da campainha forçava Ana a recobrar os sentidos. O perfume de grama molhada era substituído por um forte cheiro de álcool predominante por todo o ambiente.
Desperta, com a presença de mais uma vizinha que chegava para visitá-la, defrontou-se com sua dura verdade. Naquela humilde cama, centralizada no quarto do barraco em que vivia, passou os dedos por cima da colcha de retalhos que a encobria do frio e pressentindo a presença mórbida e ao mesmo tempo perigosa do companheiro que embriagado dormia num colchão ao lado, chorou. Ana havia surtado, agora, queria morrer.
(Registro de Averbação sob o nº 222.090 Livro 389 Folha 250 - Fundação Biblioteca Nacional Ministério da Cultura – texto publicado no site www.notivaga.com.br)
(*) Jornalista e escritora http://www.jornalista.eunanet.net
Uma enorme poltrona de balanço num canto da sala, aonde ao repousar seu corpo cansado, alimentava a recordação de fatos passados.
O imenso cômodo que alojava inúmeras peças de arte, naquele momento, tornava-se apenas um refúgio, que de forma aconchegante acolhia uma mulher e seus pensamentos. Com uma taça de Ca´Bianca Barolo nas mãos e impulsionando um balançar suave podia contemplar seus dias, observando a garoa fina que pela fresta da janela despia-se aos seus olhos.
Prevendo o fim daquele tempo, temendo adormecer, Ana tocou Bolero de Ravel, mas ousou Chopin e retornou aos seus imperiosos pensamentos, lá estava um corpo e um coração hospedados em um cobiçado vison francês se delatando em fantasias.
Imbuída no tinto vinho que lhe adoçava o paladar, inclinou o olhar e passou a fitar diante de si um oculto ser, que lhe retirando a taça das mãos, convidou-a a uma dança.
Por onde entrou, pra onde iria, estava bem longe de um mérito a ser julgado, bem como, sem poder precisar se se tratava de um imaginoso sonho ou emane fantasia, deixou-se levar.
Tentou desvendar quem seria o enigmático ser a acompanhá-la naquela estonteante aventura, mas fazendo-se nublada visão desistira, apenas se permitindo.
As lembranças que a levaram no início da noite àquela poltrona de balanço, já se faziam fortuito passado e, entre gargalhadas rodopiava atrevendo-se a compor letra já sob a quinta sinfonia.
Eis que o soar da campainha forçava Ana a recobrar os sentidos. O perfume de grama molhada era substituído por um forte cheiro de álcool predominante por todo o ambiente.
Desperta, com a presença de mais uma vizinha que chegava para visitá-la, defrontou-se com sua dura verdade. Naquela humilde cama, centralizada no quarto do barraco em que vivia, passou os dedos por cima da colcha de retalhos que a encobria do frio e pressentindo a presença mórbida e ao mesmo tempo perigosa do companheiro que embriagado dormia num colchão ao lado, chorou. Ana havia surtado, agora, queria morrer.
(Registro de Averbação sob o nº 222.090 Livro 389 Folha 250 - Fundação Biblioteca Nacional Ministério da Cultura – texto publicado no site www.notivaga.com.br)
(*) Jornalista e escritora http://www.jornalista.eunanet.net
segunda-feira, 5 de maio de 2008
O chapéu resistirá!, por Marcelo Sguassábia
Marcelo Sguassábia (*)
Tudo pode cair de moda na indumentária, até mesmo as recém-inventadas ceroulas e os modernos espartilhos, mas os chapéus hão de resistir bravamente. Isto é tão certo quanto a eleição de Prudente de Moraes no próximo pleito.
Admito que a procura pelo artigo vem caindo nos últimos meses, fato desolador mas inegável, na qualidade de proprietário de uma casa do ramo. Atribuo, contudo – e o tempo me dará razão –, que esta debandada da freguesia é fenômeno isolado e momentâneo.
Não se lançam assim, no fosso do esquecimento, três gerações dedicadas à arte e ao ofício da chapelaria. Uma dinastia que começou com meu avô Ariovaldo, no “Palácio dos Chapéos”, continuou com o glorioso “Ao Chapéu Elegante”, casa que marcou época sob o comando do meu pai, Jabur, e prossegue comigo, com a afamada “Chapelândia”.
Afirmar que os chapéus cairão em desuso é o mesmo que dizer que deixarão de ser usados os leques, as abotoaduras, os cueiros, as anáguas e as galochas. Trata-se de sandice a que não se deve dar crédito. Um cocuruto desprovido de chapéu é uma afronta aos bons costumes, quase uma incivilidade no passeio público e nos compromissos sociais. Além de ser também uma descortesia para com as damas, que aguardam que o tirem da cabeça à sua passagem, em sinal de respeito e galanteio.
Em suas variadas formas, eles têm lugar cativo nas ruas e na história. Os panamás, os coco, os de abas largas e os nem tanto, os de feltro, os de couro, os de lã e, por que não dizer, os de palhinha. Sim, os de palhinha branca, que tanto alvoroço fazem nas quermesses, festas do Divino e páreos do Jockey Club, engalanando os janotas.
Mais que objeto de adorno, o chapéu tem serventia. É isolante térmico sob o sol inclemente, protege do vento as madeixas das melindrosas e os cachos do maganões e serve até de guarda-chuva, em pés-d’água de menor intensidade.
Sejamos realistas, meus leitores. Com o fim do chapéu estaria extinta toda uma cadeia produtiva que gira em torno dele, sacrificando milhares de empregos diretos e indiretos. Seria um desastre na pujante indústria de porta-chapéus, também chamados de “fradinhos”, peças indispensáveis nos vestíbulos das residências e cuja manufatura segue em franca expansão, tanto de um lado quanto de outro do Tratado de Tordesilhas. E que dizer dos mendigos, que não teriam onde colocar os parcos caraminguás que lhes são lançados nas portas das igrejas? Até eles estariam em maus lençóis com a extinção do chapéu.
Outros abalos irreparáveis, na falta desse item indispensável do vestuário, se fariam sentir nas comissões de frente de escolas de samba, nas festas de peão e nas romarias montadas rumo a Aparecida do Norte e a outros santuários. Sem falar naquele famoso quadro do Raul Gil, que obviamente deixaria de existir.
Nem todos, entretanto, têm a mesma perseverança e obstinação que eu nos negócios. Já vejo fraquejarem alguns concorrentes de peso, o que para mim é motivo de regozijo. É o caso do “Chapelão de Ouro”, que desde a semana passada ostenta em sua vitirne uma faixa com os dizeres: “Passo o ponto a quem interessar possa, com farto sortimento de chapéus incluso. Tratar comigo no horário da sesta”.
É também do “Chapelão de Ouro” essa promoção, que consta de um panfleto distribuído nas ruas: Na aquisição de qualquer modelo de chapéu das afamadas marcas Ramenzoni e Cury, V.Sa. ganha um boné para seu menino e um véu de missa para sua patroa.
Duvido que dê retorno. Há de fechar as portas, brevemente. Aí então reinarei sozinho no mercado.
(*) Redator publicitário há mais de 20 anos, cronista de várias revistas eletrônicas, entre as quais a “Paradoxo”
Marcelo Sguassábia (*)
Tudo pode cair de moda na indumentária, até mesmo as recém-inventadas ceroulas e os modernos espartilhos, mas os chapéus hão de resistir bravamente. Isto é tão certo quanto a eleição de Prudente de Moraes no próximo pleito.
Admito que a procura pelo artigo vem caindo nos últimos meses, fato desolador mas inegável, na qualidade de proprietário de uma casa do ramo. Atribuo, contudo – e o tempo me dará razão –, que esta debandada da freguesia é fenômeno isolado e momentâneo.
Não se lançam assim, no fosso do esquecimento, três gerações dedicadas à arte e ao ofício da chapelaria. Uma dinastia que começou com meu avô Ariovaldo, no “Palácio dos Chapéos”, continuou com o glorioso “Ao Chapéu Elegante”, casa que marcou época sob o comando do meu pai, Jabur, e prossegue comigo, com a afamada “Chapelândia”.
Afirmar que os chapéus cairão em desuso é o mesmo que dizer que deixarão de ser usados os leques, as abotoaduras, os cueiros, as anáguas e as galochas. Trata-se de sandice a que não se deve dar crédito. Um cocuruto desprovido de chapéu é uma afronta aos bons costumes, quase uma incivilidade no passeio público e nos compromissos sociais. Além de ser também uma descortesia para com as damas, que aguardam que o tirem da cabeça à sua passagem, em sinal de respeito e galanteio.
Em suas variadas formas, eles têm lugar cativo nas ruas e na história. Os panamás, os coco, os de abas largas e os nem tanto, os de feltro, os de couro, os de lã e, por que não dizer, os de palhinha. Sim, os de palhinha branca, que tanto alvoroço fazem nas quermesses, festas do Divino e páreos do Jockey Club, engalanando os janotas.
Mais que objeto de adorno, o chapéu tem serventia. É isolante térmico sob o sol inclemente, protege do vento as madeixas das melindrosas e os cachos do maganões e serve até de guarda-chuva, em pés-d’água de menor intensidade.
Sejamos realistas, meus leitores. Com o fim do chapéu estaria extinta toda uma cadeia produtiva que gira em torno dele, sacrificando milhares de empregos diretos e indiretos. Seria um desastre na pujante indústria de porta-chapéus, também chamados de “fradinhos”, peças indispensáveis nos vestíbulos das residências e cuja manufatura segue em franca expansão, tanto de um lado quanto de outro do Tratado de Tordesilhas. E que dizer dos mendigos, que não teriam onde colocar os parcos caraminguás que lhes são lançados nas portas das igrejas? Até eles estariam em maus lençóis com a extinção do chapéu.
Outros abalos irreparáveis, na falta desse item indispensável do vestuário, se fariam sentir nas comissões de frente de escolas de samba, nas festas de peão e nas romarias montadas rumo a Aparecida do Norte e a outros santuários. Sem falar naquele famoso quadro do Raul Gil, que obviamente deixaria de existir.
Nem todos, entretanto, têm a mesma perseverança e obstinação que eu nos negócios. Já vejo fraquejarem alguns concorrentes de peso, o que para mim é motivo de regozijo. É o caso do “Chapelão de Ouro”, que desde a semana passada ostenta em sua vitirne uma faixa com os dizeres: “Passo o ponto a quem interessar possa, com farto sortimento de chapéus incluso. Tratar comigo no horário da sesta”.
É também do “Chapelão de Ouro” essa promoção, que consta de um panfleto distribuído nas ruas: Na aquisição de qualquer modelo de chapéu das afamadas marcas Ramenzoni e Cury, V.Sa. ganha um boné para seu menino e um véu de missa para sua patroa.
Duvido que dê retorno. Há de fechar as portas, brevemente. Aí então reinarei sozinho no mercado.
(*) Redator publicitário há mais de 20 anos, cronista de várias revistas eletrônicas, entre as quais a “Paradoxo”
Assinar:
Postagens (Atom)