quarta-feira, 7 de maio de 2008

Bolero de Ravel, por Elizabeth Misciasci

Elizabeth Misciasci (*)



Uma enorme poltrona de balanço num canto da sala, aonde ao repousar seu corpo cansado, alimentava a recordação de fatos passados.

O imenso cômodo que alojava inúmeras peças de arte, naquele momento, tornava-se apenas um refúgio, que de forma aconchegante acolhia uma mulher e seus pensamentos. Com uma taça de Ca´Bianca Barolo nas mãos e impulsionando um balançar suave podia contemplar seus dias, observando a garoa fina que pela fresta da janela despia-se aos seus olhos.

Prevendo o fim daquele tempo, temendo adormecer, Ana tocou Bolero de Ravel, mas ousou Chopin e retornou aos seus imperiosos pensamentos, lá estava um corpo e um coração hospedados em um cobiçado vison francês se delatando em fantasias.

Imbuída no tinto vinho que lhe adoçava o paladar, inclinou o olhar e passou a fitar diante de si um oculto ser, que lhe retirando a taça das mãos, convidou-a a uma dança.

Por onde entrou, pra onde iria, estava bem longe de um mérito a ser julgado, bem como, sem poder precisar se se tratava de um imaginoso sonho ou emane fantasia, deixou-se levar.

Tentou desvendar quem seria o enigmático ser a acompanhá-la naquela estonteante aventura, mas fazendo-se nublada visão desistira, apenas se permitindo.

As lembranças que a levaram no início da noite àquela poltrona de balanço, já se faziam fortuito passado e, entre gargalhadas rodopiava atrevendo-se a compor letra já sob a quinta sinfonia.

Eis que o soar da campainha forçava Ana a recobrar os sentidos. O perfume de grama molhada era substituído por um forte cheiro de álcool predominante por todo o ambiente.

Desperta, com a presença de mais uma vizinha que chegava para visitá-la, defrontou-se com sua dura verdade. Naquela humilde cama, centralizada no quarto do barraco em que vivia, passou os dedos por cima da colcha de retalhos que a encobria do frio e pressentindo a presença mórbida e ao mesmo tempo perigosa do companheiro que embriagado dormia num colchão ao lado, chorou. Ana havia surtado, agora, queria morrer.


(Registro de Averbação sob o nº 222.090 Livro 389 Folha 250 - Fundação Biblioteca Nacional Ministério da Cultura – texto publicado no site www.notivaga.com.br)

(*) Jornalista e escritora http://www.jornalista.eunanet.net

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