Letícia Nascimento (*)
Após assaltar sem culpa a geladeira começou a arrumar tudo para o tão desejado descanso. Dentes escovados, cabelo penteado, abajur ligado, despertador ajustado e celular ao lado. O cansaço daquela sexta-feira era tamanho que adormeceu antes de rezar. Dormiria aquela noite ao som da chuva e dos trovões.
O barulho do ventilador começou a incomodar o sono de Luiza, que ergueu o braço esquerdo até alcançar a tomada, o silêncio trouxe sossego. Ouviam-se os pingos de chuva batendo na janela, os relâmpagos a assustavam. Mais uma vez sentiu-se incomodada, levantou e fechou a cortina, afinal era grandinha pra se esconder embaixo da cama ou dentro do armário. Adormeceu mais uma vez.
Algo dizia que a noite não iria ser tranqüila e que os famosos pesadelos a perseguiriam.
Eis que o monstro apareceu. De olhos esbugalhados, coaxando, em tamanho gigante e verde. Luiza acordou assustada. “Sempre ele! Por que ele?”, indagou-se. Aquele bendito sapo ainda insistia em fazer parte dos seus pesadelos desde a infância. Irritada por ter reencontrado o bicho, virou-se para o outro lado, fechou os olhos e caiu no sono mais uma vez.
A chuva continuava. Os trovões também. Desta vez o latido ardido da cadela frescurenta da vizinha atrapalhava o sono tão almejado da menina. Levantou-se mais uma vez, pegou o mp3. Assim pelo menos dormiria ouvindo música e o latido não a perturbaria mais. Triste ilusão: a pilha estava descarregada.
Já eram três da manhã e Luiza não conseguia dormir com tantos incômodos. Decidiu ligar a TV, encostou-se a uma almofada e ao zapear com o controle remoto percebeu que o receptor estava sem sinal por causa da chuva. Injuriada, voltou para o seu quarto.
A cadela da vizinha já não latia mais. O cansaço tomou conta do seu corpo e adormeceu novamente. Minutos depois o celular tocou. Preocupada e ainda sonolenta nem reparou em quem estaria do outro lado da linha. Era Lazinha, a amiga mais inconveniente que poderia existir no planeta. Ligou para contar que viu o ex de Luiza na festa do Rafa. Segundo a fofoqueira, Robertinho estava triste, com os olhos inchados e magro devido ao término do namoro. Sem querer, e querendo, ainda falou que a menina era a causadora da depressão do rapaz, já que não atendia mais suas ligações. Irritada, Luiza desligou o telefone sabendo que aquilo era uma farsa, suas mentiras e trapaças já a tinham magoado demais.
Mesmo assim, agora era a imagem de Robertinho triste, com os olhos inchados e magro que não deixava a menina dormir. “Ele está sofrendo por causa de mim”, pensava ela a todo instante, “mas isso deve ser mentira, ele não vale nada”. Em meio às suas dúvidas amorosas e inseguranças, fechou os olhos com o propósito de dormir. Já eram quinze pras cinco da manhã.
Como mágica o sapo não apareceu. Mas cedeu espaço para que Robertinho ocupasse a cena. Luiza viu o menino se atirando do mais movimentado viaduto da cidade. Correu para casa aos prantos e ao chegar uma multidão de pessoas queridas a culpavam pela morte do garoto. Via o falecido esticado no caixão posto no meio da rua. Com raiva por causa das mentiras, ao mesmo tempo sentia-se culpada. Mas, falecido? Acordou chorando.
Angustiada, levantou-se e correu para o quarto dos pais como fazia quando era pequena. Acordaram preocupados com o choro da menina. O pai prontamente foi até a cozinha preparar água com açúcar. A mãe sem saber o que acontecia fez a pergunta de sempre: “você rezou antes de se deitar minha filha?”.
Anjinho da guarda, meu bom guardador guardai minha alma pro nosso Senhor. Com Deus me deito com Deus me levanto na graça de Deus e do Espírito Santo. Rezaram juntas, como nos velhos tempos. Nem Robertinho, nem o sapo ou barulho algum voltaram a atrapalhar o sono de Luiza naquela noite, ou melhor, já na manhã de sábado.
(*) Estudante do 4º ano de Jornalismo das Faculdades Integradas Teresa D’Ávilla (FATEA), Lorena-SP.
sexta-feira, 31 de outubro de 2008
domingo, 26 de outubro de 2008
Nuvens na escuridão, por Juarez José Viaro
Juarez José Viaro (*)
4:15. Acorda e olha os números vermelhos do rádio-relógio, brilhando na escuridão do quarto. “Cedo demais”, pensa. Vira-se para o outro lado onde não veja aqueles números incandescentes de sua insônia. O corpo parece pesar, preso a uma corrente no pé da cama. Lembra-se da orientação de alguém de não se dormir sobre o lado esquerdo do coração. Revira-se. Pensa em algo para voltar a dormir. Lembra-se do mantra quando fazia meditação. Mas não podia dormir ao repetir aquelas palavras desconhecidas, talvez em sânscrito. E sim atingir o ponto alfa. Precisava pensar noutra estratégia. Talvez contar de trás pra frente. 10, 9, 8... Melhor esquecer. Quem sabe contar carneirinhos? Mas nunca havia contado carneiros quando criança, só tinha visto isso em contos infantis traduzidos.
4:22. Os números pareciam saltar aos olhos sonolentos. Quem teria inventado esses traços como bisnagas de pão que formavam todos os números? Lembrou-se do enorme relógio digital na Avenida Paulista. O farol moderno dos transeuntes, as horas de trabalho contadas minuto a minuto. Precisava relaxar. Repetir as três palavras mágicas: relaxar, descansar, dormir. Relaxar, descansar, dormir. A cabeça, porém, girava a mil, a hora em que todos os problemas do dia seguinte pareciam insolúveis. Lembrou-se do conselho do analista: “se não consegue dormir, aproveite o tempo para fazer algo útil”. Levantava-se então, ia para o computador, entrava na Internet e ficava até a hora de acordar. Talvez tenha sido essa a razão do fim do casamento. Ou uma delas.
4.33. Se pelo menos tivesse alguém ao lado para fazer sexo. Mas estava só. Só com sua insônia. Uma palavra dentro da outra, espelho refletindo espelho. Como no slogan: I like Ike. Uma coisa dentro da outra. Como na infância, ao lado da mãe que fazia um bolo e vendo a latinha de fermento em pó. A embalagem com o desenho de outra lata de fermento, com a embalagem de outra latinha, até o infinito. Uma lata dentro de outra. Como as latas de mantimento guardadas no armário, uma menor que a outra, uma dentro da outra. Precisava dormir. Girou para o outro lado de novo, o corpo pesava, com os grilhões nos pés, os rangidos da cama. O vizinho do apartamento de cima, que escutava ranger a cama e gemer, talvez fazendo sexo com a esposa. O abrir e fechar de janela do quarto de outro vizinho, talvez solidário na insônia.
Levantou-se e foi ao banheiro. Lembrou-se de Duchamp e seu urinol. A arte ironizando a vida. Ouvia também o ruído do vizinho de cima ao mijar, ao apertar a descarga, ao ligar o chuveiro, a vida em apartamentos, sem intimidade. Aproveitou para fechar a porta, para não ver o dia nascer, refletido na parede do corredor. Voltou a deitar-se, girou o rádio-relógio para não ver aqueles números angustiantes e vermelhos. Todos os problemas a resolver no dia que já teimava em começar cedo. Tomar o banho, vestir-se, tomar o café, pegar o carro e enfrentar aqueles cúmplices sonolentos no trânsito. Chegar ao trabalho, deparar-se com os mesmos rostos conhecidos, mas nada familiares. Bom-dia com cheiro de café tomado às pressas. Cheiro de produtos de limpeza no escritório. As mesmas coisas nos mesmos lugares.
As horas, as horas. Que fazer com as horas que passam e não deixam dormir. Com os números vermelhos que alertam que o dia está chegando e é preciso levantar-se da cama. A cama e o banheiro, o trajeto de sua insônia. Tentou não pensar em nada, apenas fechar os olhos e “ver” aqueles fios luminosos da retina boiando no escuro. Tentar não pensar, suprema conquista dos iogues. Não pensar, deixar as imagens fluírem, sem pensar. Em vão. O dia já teimava em nascer, via a luz penetrando já pelas frestas da esquadria de alumínio da janela. Ouvia pássaros, quais seriam? Talvez o mesmo bando de maritacas que passavam com seu ruído estridente, vindos do Parque do Ibirapuera, ou fugindo de algum ruído de trânsito.
5:11. Aos poucos já podia ouvir barulhos de carros. O vizinho que madrugava, retirando o carro da vaga da garagem. Sempre no mesmo horário. Algumas derrapagens de carros apressados, talvez voltando de noitadas. Ainda podia dormir mais, teria que repor as energias gastas no dia anterior. Calculava as horas que ainda restavam para adormecer. Lembrou-se da terapia. O analista associando a hora de chegada do pai de madrugada, quando era criança, com o horário que batia a insônia, de adulto. O pai chegando de madrugada, com seu cheiro de cigarro infestando o quarto comum. A psicanálise como um tipo de literatura.
Virou-se pela enésima vez. O corpo cansado, o lençol amarrotado, o travesseiro virado mais uma vez. O som dos pardais, talvez milhares deles. Lembrou-se da definição ouvida ou lida. Os pardais, trazidos pelos portugueses, pássaros inúteis, sem plumagem bela, sem canto harmonioso, apenas cagando e matando outros pássaros que invadiam seu território.
Quem teria dito isso? Precisava ser mais esquemático, anotar coisas importantes, citações, para ocasiões sociais, sempre havia utilidade quando faltava assunto. Dizer uma máxima, um pensamento de alguém famoso era útil para começar assunto, mostrar conhecimento, superioridades. Balela, precisava aprender a dormir. Resolveu tentar mais uma vez, os números vermelhos se aproximando do limite de tempo permitido. Concentrou-se, deixou fluir os pensamentos, relaxou. Uma nuvem de sonolência parecia passar por aquela noite escura. Nuvens na escuridão. Adormeceu.
6:00. O despertador despertou, determinando o fim da noite.
(*) Juarez José Viaro é formado em Letras e Jornalismo. Publicou o livro de poemas “Aroma de Amora” e participou de movimentos literários em Osasco e São Paulo. Tem um romance inédito, “Viagem ao Interior”.
4:15. Acorda e olha os números vermelhos do rádio-relógio, brilhando na escuridão do quarto. “Cedo demais”, pensa. Vira-se para o outro lado onde não veja aqueles números incandescentes de sua insônia. O corpo parece pesar, preso a uma corrente no pé da cama. Lembra-se da orientação de alguém de não se dormir sobre o lado esquerdo do coração. Revira-se. Pensa em algo para voltar a dormir. Lembra-se do mantra quando fazia meditação. Mas não podia dormir ao repetir aquelas palavras desconhecidas, talvez em sânscrito. E sim atingir o ponto alfa. Precisava pensar noutra estratégia. Talvez contar de trás pra frente. 10, 9, 8... Melhor esquecer. Quem sabe contar carneirinhos? Mas nunca havia contado carneiros quando criança, só tinha visto isso em contos infantis traduzidos.
4:22. Os números pareciam saltar aos olhos sonolentos. Quem teria inventado esses traços como bisnagas de pão que formavam todos os números? Lembrou-se do enorme relógio digital na Avenida Paulista. O farol moderno dos transeuntes, as horas de trabalho contadas minuto a minuto. Precisava relaxar. Repetir as três palavras mágicas: relaxar, descansar, dormir. Relaxar, descansar, dormir. A cabeça, porém, girava a mil, a hora em que todos os problemas do dia seguinte pareciam insolúveis. Lembrou-se do conselho do analista: “se não consegue dormir, aproveite o tempo para fazer algo útil”. Levantava-se então, ia para o computador, entrava na Internet e ficava até a hora de acordar. Talvez tenha sido essa a razão do fim do casamento. Ou uma delas.
4.33. Se pelo menos tivesse alguém ao lado para fazer sexo. Mas estava só. Só com sua insônia. Uma palavra dentro da outra, espelho refletindo espelho. Como no slogan: I like Ike. Uma coisa dentro da outra. Como na infância, ao lado da mãe que fazia um bolo e vendo a latinha de fermento em pó. A embalagem com o desenho de outra lata de fermento, com a embalagem de outra latinha, até o infinito. Uma lata dentro de outra. Como as latas de mantimento guardadas no armário, uma menor que a outra, uma dentro da outra. Precisava dormir. Girou para o outro lado de novo, o corpo pesava, com os grilhões nos pés, os rangidos da cama. O vizinho do apartamento de cima, que escutava ranger a cama e gemer, talvez fazendo sexo com a esposa. O abrir e fechar de janela do quarto de outro vizinho, talvez solidário na insônia.
Levantou-se e foi ao banheiro. Lembrou-se de Duchamp e seu urinol. A arte ironizando a vida. Ouvia também o ruído do vizinho de cima ao mijar, ao apertar a descarga, ao ligar o chuveiro, a vida em apartamentos, sem intimidade. Aproveitou para fechar a porta, para não ver o dia nascer, refletido na parede do corredor. Voltou a deitar-se, girou o rádio-relógio para não ver aqueles números angustiantes e vermelhos. Todos os problemas a resolver no dia que já teimava em começar cedo. Tomar o banho, vestir-se, tomar o café, pegar o carro e enfrentar aqueles cúmplices sonolentos no trânsito. Chegar ao trabalho, deparar-se com os mesmos rostos conhecidos, mas nada familiares. Bom-dia com cheiro de café tomado às pressas. Cheiro de produtos de limpeza no escritório. As mesmas coisas nos mesmos lugares.
As horas, as horas. Que fazer com as horas que passam e não deixam dormir. Com os números vermelhos que alertam que o dia está chegando e é preciso levantar-se da cama. A cama e o banheiro, o trajeto de sua insônia. Tentou não pensar em nada, apenas fechar os olhos e “ver” aqueles fios luminosos da retina boiando no escuro. Tentar não pensar, suprema conquista dos iogues. Não pensar, deixar as imagens fluírem, sem pensar. Em vão. O dia já teimava em nascer, via a luz penetrando já pelas frestas da esquadria de alumínio da janela. Ouvia pássaros, quais seriam? Talvez o mesmo bando de maritacas que passavam com seu ruído estridente, vindos do Parque do Ibirapuera, ou fugindo de algum ruído de trânsito.
5:11. Aos poucos já podia ouvir barulhos de carros. O vizinho que madrugava, retirando o carro da vaga da garagem. Sempre no mesmo horário. Algumas derrapagens de carros apressados, talvez voltando de noitadas. Ainda podia dormir mais, teria que repor as energias gastas no dia anterior. Calculava as horas que ainda restavam para adormecer. Lembrou-se da terapia. O analista associando a hora de chegada do pai de madrugada, quando era criança, com o horário que batia a insônia, de adulto. O pai chegando de madrugada, com seu cheiro de cigarro infestando o quarto comum. A psicanálise como um tipo de literatura.
Virou-se pela enésima vez. O corpo cansado, o lençol amarrotado, o travesseiro virado mais uma vez. O som dos pardais, talvez milhares deles. Lembrou-se da definição ouvida ou lida. Os pardais, trazidos pelos portugueses, pássaros inúteis, sem plumagem bela, sem canto harmonioso, apenas cagando e matando outros pássaros que invadiam seu território.
Quem teria dito isso? Precisava ser mais esquemático, anotar coisas importantes, citações, para ocasiões sociais, sempre havia utilidade quando faltava assunto. Dizer uma máxima, um pensamento de alguém famoso era útil para começar assunto, mostrar conhecimento, superioridades. Balela, precisava aprender a dormir. Resolveu tentar mais uma vez, os números vermelhos se aproximando do limite de tempo permitido. Concentrou-se, deixou fluir os pensamentos, relaxou. Uma nuvem de sonolência parecia passar por aquela noite escura. Nuvens na escuridão. Adormeceu.
6:00. O despertador despertou, determinando o fim da noite.
(*) Juarez José Viaro é formado em Letras e Jornalismo. Publicou o livro de poemas “Aroma de Amora” e participou de movimentos literários em Osasco e São Paulo. Tem um romance inédito, “Viagem ao Interior”.
segunda-feira, 20 de outubro de 2008
Gozo Astral, por Fernanda de Aragão
Fernanda de Aragão (*)
Tá, vocês venceram, eu me rendo! Rendo-me ao meu sol em libra e ao meu ascendente em capricórnio, mas só porque eu quero ver estrelas; meses sem gozar. Até pela lua que está em peixes, seja lá o que isso signifique, eu me rendo!
Rendo-me à possibilidade de cruzar os meus três signos com os três signos dele; é que com nove combinatórias para brincar de dar certo eu finalmente poderei tirar as rendas da gaveta. Vermelhas, pretas, marciânicas, netúnicas. E com marte em libra, vênus em libra, a vida na balança, eu me rendo para livrar-me de todo cio sem ópio, amém.
Já peguei as taças para um brinde à minha casa sete, em que plutão-ão-ão-ão está passando, entrando, gritando. E eu, no sussurro: vem, vem, vem logo, vem plutando, qualquer coisa que isso valha. Mercúrio em virgem. Ahm. Netuno em sagitário. Ahm. Júpter em gêmeos. Ahm. Onde será que se goza num mapa como estes? Não sei, não sei, não sei. Em troca, profecias.
Você tem talento para descobrir irregularidades. Hum, e isso serve para? Tem novas idéias para a educação. Hum, e isso me adianta de? Você é crítica. Tá! Qual mulher que já passou dos trinta não o é? Oradora convincente. Aham, dá pra chegar logo ao que interessa? Gosta de detalhes, literatura, pesquisa científica. Hum, hum, hum. Gosto de blá blá blá também, não tá escrito aí não? Cadê? Cadê? Cadê?
Mente aberta e criativa. Rá! Nem conto o quanto, paga pra ver, paga (pega, gira, alucina). Originalidade, vivacidade, alegria. Óquei, tudo isso eu entendi e já sei de cor: monótona, jamais. Temperamental, às vezes, porque ninguém é perfeito; mas generosa, amável, cooperativa. Opa! Então é isso, eu sou mais santa do que puta. Como gozam as putas? Bruna Surfistinha, com aquele relato "então ele me virou de quatro e me fodeu e ponto final", me parece nonsense. E as santas, como fazem? Queria ser homem pra descobrir a diferença. Algum se habilita a me contar? Para Aldir Blanc, entre a santa e a meretriz só muda a forma com que as duas se arreganham. Muda?
Com muitos talentos, a pintura, a música, a escultura são adequadas ao seu dia-a-dia. Tá. Tá. Tá. Tá. Cansei, cansei, cansei da mulher de libra. Vamos à de dragão, ascendente em serpente. Sabe-se lá, mas eu me rendo! É que a esta altura os cinco signos dele mais os meus já somam vinte e cinco chances para uma noite dos deuses: Júpter em Vênus, Netuno em Vênus, Mercúrio em Vênus, Marte em Vênus. Tudo em boa combinação: a parte de cima com a de baixo, queijo com goiabada, o que tá vazio e o que preenche. E lá na gaveta – esperando, esperando, esperando –, anágua sem corpo, espartilho sem pele, cinta-liga sem volume, meia sem arrastão, salto sem agulha.
Bah! Quem é que dá as cartas, afinal? E, pelamordedeus, que nelas não me apareça nenhuma Minerva no meio do caminho. Embaralha direito, corta certo, pega minha energia de jeito ou eu vou para as últimas instâncias jogar búzios, lançar pê-pê-ô com turbante na cabeça, fazer reza forte, mandinga, costurar boca de sapo com o nome dele, com o nome dela. E... voilá, com arcanos menores e maiores, todos em meu favor, fica fácil gozar com o valete de espadas no quarto lunar. Na torre não porque é rompimento na certa, diz o tarô.
Então, que suba o rei de paus. Truco! Com o imperador? Oba! Mão de onze para a dama de copas. Que belo zap pra cima da manilha, hein? Chama de novo, que eu topo! Melhor de três e não se fala mais nisso. Mas você prefere os números. Por mim tudo bem, a gente combina lá também, ao quadrado, ao infinito, na potência que for: forte, fraco, meio a meio, de lado como na geometria ou medindo a raiz quadrada, tomando o volume, vendo o diâmetro, calculando o raio. Ângulo de cá, ângulo de lá. Até na medição do vácuo. E você vai poder tirar a prova dos nove, se quiser. Dos dez, dos doze, dos quinze. No final vai restar um eu e um você. É sempre assim: um mais um mais um mais um mais um mais tantas vezes quantas forem precisas. Para o número que for sempre seremos dois inteiros, o que é bem melhor do que duas metades.
Se somarmos o valor das letras dos nomes: dois inteiros, o meu e o seu.
Se somarmos os dias do nascimento: dois inteiros, o meu e o seu.
Lindo isso de numerologia, de contar só a primeira parte do nome, ou só o apelido, ou o nome todo, ou começo e o fim. E com um tanto de meios, jeitos, tipos, formas, contas, preâmbulos, runas, i-chings, koans, mos, quiromancias, conchas, mandalas, cabalas, anjos, gnomos e o diabo a quatro, haverá o dia, a hora, o minuto e o segundo em que, cosmicamente, cruzaremos como cometas lancinantes. Rojões opiáceos explodindo tanto na terra quanto no céu. E nessa hora, buraco negro de cá, ou de lá, tanto faz. Olha que até realejo tem, se você estiver afim, mas quando se trata de gozo astral, que tal o Kama Sutra?
(*) Jornalista
Tá, vocês venceram, eu me rendo! Rendo-me ao meu sol em libra e ao meu ascendente em capricórnio, mas só porque eu quero ver estrelas; meses sem gozar. Até pela lua que está em peixes, seja lá o que isso signifique, eu me rendo!
Rendo-me à possibilidade de cruzar os meus três signos com os três signos dele; é que com nove combinatórias para brincar de dar certo eu finalmente poderei tirar as rendas da gaveta. Vermelhas, pretas, marciânicas, netúnicas. E com marte em libra, vênus em libra, a vida na balança, eu me rendo para livrar-me de todo cio sem ópio, amém.
Já peguei as taças para um brinde à minha casa sete, em que plutão-ão-ão-ão está passando, entrando, gritando. E eu, no sussurro: vem, vem, vem logo, vem plutando, qualquer coisa que isso valha. Mercúrio em virgem. Ahm. Netuno em sagitário. Ahm. Júpter em gêmeos. Ahm. Onde será que se goza num mapa como estes? Não sei, não sei, não sei. Em troca, profecias.
Você tem talento para descobrir irregularidades. Hum, e isso serve para? Tem novas idéias para a educação. Hum, e isso me adianta de? Você é crítica. Tá! Qual mulher que já passou dos trinta não o é? Oradora convincente. Aham, dá pra chegar logo ao que interessa? Gosta de detalhes, literatura, pesquisa científica. Hum, hum, hum. Gosto de blá blá blá também, não tá escrito aí não? Cadê? Cadê? Cadê?
Mente aberta e criativa. Rá! Nem conto o quanto, paga pra ver, paga (pega, gira, alucina). Originalidade, vivacidade, alegria. Óquei, tudo isso eu entendi e já sei de cor: monótona, jamais. Temperamental, às vezes, porque ninguém é perfeito; mas generosa, amável, cooperativa. Opa! Então é isso, eu sou mais santa do que puta. Como gozam as putas? Bruna Surfistinha, com aquele relato "então ele me virou de quatro e me fodeu e ponto final", me parece nonsense. E as santas, como fazem? Queria ser homem pra descobrir a diferença. Algum se habilita a me contar? Para Aldir Blanc, entre a santa e a meretriz só muda a forma com que as duas se arreganham. Muda?
Com muitos talentos, a pintura, a música, a escultura são adequadas ao seu dia-a-dia. Tá. Tá. Tá. Tá. Cansei, cansei, cansei da mulher de libra. Vamos à de dragão, ascendente em serpente. Sabe-se lá, mas eu me rendo! É que a esta altura os cinco signos dele mais os meus já somam vinte e cinco chances para uma noite dos deuses: Júpter em Vênus, Netuno em Vênus, Mercúrio em Vênus, Marte em Vênus. Tudo em boa combinação: a parte de cima com a de baixo, queijo com goiabada, o que tá vazio e o que preenche. E lá na gaveta – esperando, esperando, esperando –, anágua sem corpo, espartilho sem pele, cinta-liga sem volume, meia sem arrastão, salto sem agulha.
Bah! Quem é que dá as cartas, afinal? E, pelamordedeus, que nelas não me apareça nenhuma Minerva no meio do caminho. Embaralha direito, corta certo, pega minha energia de jeito ou eu vou para as últimas instâncias jogar búzios, lançar pê-pê-ô com turbante na cabeça, fazer reza forte, mandinga, costurar boca de sapo com o nome dele, com o nome dela. E... voilá, com arcanos menores e maiores, todos em meu favor, fica fácil gozar com o valete de espadas no quarto lunar. Na torre não porque é rompimento na certa, diz o tarô.
Então, que suba o rei de paus. Truco! Com o imperador? Oba! Mão de onze para a dama de copas. Que belo zap pra cima da manilha, hein? Chama de novo, que eu topo! Melhor de três e não se fala mais nisso. Mas você prefere os números. Por mim tudo bem, a gente combina lá também, ao quadrado, ao infinito, na potência que for: forte, fraco, meio a meio, de lado como na geometria ou medindo a raiz quadrada, tomando o volume, vendo o diâmetro, calculando o raio. Ângulo de cá, ângulo de lá. Até na medição do vácuo. E você vai poder tirar a prova dos nove, se quiser. Dos dez, dos doze, dos quinze. No final vai restar um eu e um você. É sempre assim: um mais um mais um mais um mais um mais tantas vezes quantas forem precisas. Para o número que for sempre seremos dois inteiros, o que é bem melhor do que duas metades.
Se somarmos o valor das letras dos nomes: dois inteiros, o meu e o seu.
Se somarmos os dias do nascimento: dois inteiros, o meu e o seu.
Lindo isso de numerologia, de contar só a primeira parte do nome, ou só o apelido, ou o nome todo, ou começo e o fim. E com um tanto de meios, jeitos, tipos, formas, contas, preâmbulos, runas, i-chings, koans, mos, quiromancias, conchas, mandalas, cabalas, anjos, gnomos e o diabo a quatro, haverá o dia, a hora, o minuto e o segundo em que, cosmicamente, cruzaremos como cometas lancinantes. Rojões opiáceos explodindo tanto na terra quanto no céu. E nessa hora, buraco negro de cá, ou de lá, tanto faz. Olha que até realejo tem, se você estiver afim, mas quando se trata de gozo astral, que tal o Kama Sutra?
(*) Jornalista
segunda-feira, 13 de outubro de 2008
Tormenta, por Solange Sólon Borges
Solange Sólon Borges (*)
Ninguém crê que tudo se incendeia habilmente, depois de sermos batidos pelo temporal. Há a necessária compensação de forças entre os amores – luxúria, urgências, cobiça e fé – corpos desnudos com seus desejos encarcerados para que as muralhas cedam, afinal.
E eles querem partir, eles querem partir dos corpos celestes mas não podem: há o homem e há a fera.
Chegam os ferreiros batendo estacas sobre o peito: miasmas inundam os dias. O coração se reveste em pátina. O amor é premente e peço as sementes: eles comem os figos. Encontro vestígios de magma em minha pele bárbara.
São os pormenores da tormenta: sua face se dissolve na lembrança e peço uma foto como se pedisse qualquer rosto ou mesmo a alma. A ausência ressuscita Pã em meio ao pânico.
Mostrou-me o tango de suas pernas bailando entre as minhas no momento da submersão.
Tenho cios crônicos. Ata-me onde encontrar a fera e imagine a minha total fragilidade em seu retorno.
(*) Jornalista, dedica-se a diversos gêneros literários. Entre outras atividades, atua em alguns programas “O prefácio”, sobre livros e literatura. Um deles é o programa Comunique-se, levado ao ar pela TV interativa ALL TV (2003/2004). Apresentou, também, “Paisagem Feminina”, pela Rádio Gazeta AM (1999), além de crônicas diárias na Rádio Bandeirantes e na Rádio Gazeta — emissoras das quais foi redatora, repórter, locutora e editora.
Ninguém crê que tudo se incendeia habilmente, depois de sermos batidos pelo temporal. Há a necessária compensação de forças entre os amores – luxúria, urgências, cobiça e fé – corpos desnudos com seus desejos encarcerados para que as muralhas cedam, afinal.
E eles querem partir, eles querem partir dos corpos celestes mas não podem: há o homem e há a fera.
Chegam os ferreiros batendo estacas sobre o peito: miasmas inundam os dias. O coração se reveste em pátina. O amor é premente e peço as sementes: eles comem os figos. Encontro vestígios de magma em minha pele bárbara.
São os pormenores da tormenta: sua face se dissolve na lembrança e peço uma foto como se pedisse qualquer rosto ou mesmo a alma. A ausência ressuscita Pã em meio ao pânico.
Mostrou-me o tango de suas pernas bailando entre as minhas no momento da submersão.
Tenho cios crônicos. Ata-me onde encontrar a fera e imagine a minha total fragilidade em seu retorno.
(*) Jornalista, dedica-se a diversos gêneros literários. Entre outras atividades, atua em alguns programas “O prefácio”, sobre livros e literatura. Um deles é o programa Comunique-se, levado ao ar pela TV interativa ALL TV (2003/2004). Apresentou, também, “Paisagem Feminina”, pela Rádio Gazeta AM (1999), além de crônicas diárias na Rádio Bandeirantes e na Rádio Gazeta — emissoras das quais foi redatora, repórter, locutora e editora.
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