Letícia Nascimento (*)
Após assaltar sem culpa a geladeira começou a arrumar tudo para o tão desejado descanso. Dentes escovados, cabelo penteado, abajur ligado, despertador ajustado e celular ao lado. O cansaço daquela sexta-feira era tamanho que adormeceu antes de rezar. Dormiria aquela noite ao som da chuva e dos trovões.
O barulho do ventilador começou a incomodar o sono de Luiza, que ergueu o braço esquerdo até alcançar a tomada, o silêncio trouxe sossego. Ouviam-se os pingos de chuva batendo na janela, os relâmpagos a assustavam. Mais uma vez sentiu-se incomodada, levantou e fechou a cortina, afinal era grandinha pra se esconder embaixo da cama ou dentro do armário. Adormeceu mais uma vez.
Algo dizia que a noite não iria ser tranqüila e que os famosos pesadelos a perseguiriam.
Eis que o monstro apareceu. De olhos esbugalhados, coaxando, em tamanho gigante e verde. Luiza acordou assustada. “Sempre ele! Por que ele?”, indagou-se. Aquele bendito sapo ainda insistia em fazer parte dos seus pesadelos desde a infância. Irritada por ter reencontrado o bicho, virou-se para o outro lado, fechou os olhos e caiu no sono mais uma vez.
A chuva continuava. Os trovões também. Desta vez o latido ardido da cadela frescurenta da vizinha atrapalhava o sono tão almejado da menina. Levantou-se mais uma vez, pegou o mp3. Assim pelo menos dormiria ouvindo música e o latido não a perturbaria mais. Triste ilusão: a pilha estava descarregada.
Já eram três da manhã e Luiza não conseguia dormir com tantos incômodos. Decidiu ligar a TV, encostou-se a uma almofada e ao zapear com o controle remoto percebeu que o receptor estava sem sinal por causa da chuva. Injuriada, voltou para o seu quarto.
A cadela da vizinha já não latia mais. O cansaço tomou conta do seu corpo e adormeceu novamente. Minutos depois o celular tocou. Preocupada e ainda sonolenta nem reparou em quem estaria do outro lado da linha. Era Lazinha, a amiga mais inconveniente que poderia existir no planeta. Ligou para contar que viu o ex de Luiza na festa do Rafa. Segundo a fofoqueira, Robertinho estava triste, com os olhos inchados e magro devido ao término do namoro. Sem querer, e querendo, ainda falou que a menina era a causadora da depressão do rapaz, já que não atendia mais suas ligações. Irritada, Luiza desligou o telefone sabendo que aquilo era uma farsa, suas mentiras e trapaças já a tinham magoado demais.
Mesmo assim, agora era a imagem de Robertinho triste, com os olhos inchados e magro que não deixava a menina dormir. “Ele está sofrendo por causa de mim”, pensava ela a todo instante, “mas isso deve ser mentira, ele não vale nada”. Em meio às suas dúvidas amorosas e inseguranças, fechou os olhos com o propósito de dormir. Já eram quinze pras cinco da manhã.
Como mágica o sapo não apareceu. Mas cedeu espaço para que Robertinho ocupasse a cena. Luiza viu o menino se atirando do mais movimentado viaduto da cidade. Correu para casa aos prantos e ao chegar uma multidão de pessoas queridas a culpavam pela morte do garoto. Via o falecido esticado no caixão posto no meio da rua. Com raiva por causa das mentiras, ao mesmo tempo sentia-se culpada. Mas, falecido? Acordou chorando.
Angustiada, levantou-se e correu para o quarto dos pais como fazia quando era pequena. Acordaram preocupados com o choro da menina. O pai prontamente foi até a cozinha preparar água com açúcar. A mãe sem saber o que acontecia fez a pergunta de sempre: “você rezou antes de se deitar minha filha?”.
Anjinho da guarda, meu bom guardador guardai minha alma pro nosso Senhor. Com Deus me deito com Deus me levanto na graça de Deus e do Espírito Santo. Rezaram juntas, como nos velhos tempos. Nem Robertinho, nem o sapo ou barulho algum voltaram a atrapalhar o sono de Luiza naquela noite, ou melhor, já na manhã de sábado.
(*) Estudante do 4º ano de Jornalismo das Faculdades Integradas Teresa D’Ávilla (FATEA), Lorena-SP.
sexta-feira, 31 de outubro de 2008
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário