segunda-feira, 27 de abril de 2009

Relação sexuada, por Pedro J. Bondaczuk

Pedro J. Bondaczuk (*)



“A relação entre homem e mulher será sempre sexuada. O homem é homem e a mulher é mulher. Será sempre uma relação pessoal, de uma pessoa feminina com uma pessoa masculina, e não precisa, necessariamente, intervir a sexualidade de ambos. Não precisa assumir a forma amorosa, mas ser apenas a maravilhosa relação pessoal entre o homem e a mulher”.

Esta lúcida afirmação não é minha (por isso, grafei-a entre aspas), mas do filósofo espanhol Julián Marias – que assinava o sobrenome da mãe, Aguilera, como costume na Espanha, e que morreu em dezembro de 2005, aos 91 anos de idade, e foi tido e havido como o principal discípulo do também filósofo, seu conterrâneo, José Ortega y Gasset – em matéria publicada no “Caderno de Sábado”, do “Jornal da Tarde” de São Paulo, publicada em 5 de dezembro de 1987.

Há algum erro ou contradição nessa afirmativa? Existe, nela, o mínimo laivo de machismo ou de menosprezo pela condição feminina? Claro que não, embora alguns entendam, equivocadamente, que sim. Marias (que ao lado de Gasset é dos poucos filósofos que compreendo, sem precisar recorrer a dicionários e, portanto, admiro, pela clareza e exatidão de suas propostas) não quis dizer (e não disse) que o homem seja superior à mulher, ou vice-versa. Limitou-se a constatar o óbvio (algo difícil de muitos entenderem): são diferentes. E viva a diferença! Caso não a houvesse, sequer existiríamos.

Por mais que respeite as mulheres (e as respeito profundamente), e as ame (amo-as de paixão), jamais cometeria a heresia de tratá-las da mesma forma que trato os homens (muitas reclamam essa igualdade de tratamento). Por que? Por machismo? Por menosprezo? Jamais! Por reverência!

Óbvio que essa forma diferente de tratamento não implica em subtrair da mulher seus mais comezinhos direitos, como o da igualdade no trabalho, no lar, na escola e em todo e qualquer lugar. Não implica em questionar sua competência em nenhum setor da vida apenas por causa da diferença de gênero, até porque essa não depende de sexo, de raça, de crença ou seja lá do que for. Não implica em tratá-la como perpétua criança ou como “propriedade” masculina, como não faz muito era costume (alguns imbecis ainda agem assim mundo afora).

Para mim, as mulheres sempre serão diferentes e ficaria aflito e infeliz se assim não fosse. Uma dessas diferenças, por exemplo, é do ponto de vista estético. Não consigo, por mais que tente, ver beleza no homem. Para o meu gosto pessoal, beleza é prerrogativa exclusivamente feminina. Por mais que uma mulher possa ser considerada “feia”, na comparação com muitas outras, ainda assim, para mim, sempre será mais bela do que o mais bonito dos homens. Preconceito? Creio que não. Entendo que se trate de bom-gosto. Em todo o caso... que atire a primeira pedra quem achar que estou errado.

Outrossim, não me entra na cabeça o fato de um homem, que queira merecer esse nome (não confundir com o meramente “macho”, pois o cão, o gato e o veado também o são) agredir qualquer mulher, não importa o motivo. E essa desgraça ocorre, ainda, pelo mundo afora, na maioria das vezes impune, ou com punições que descambam para o ridículo. Isso é absolutamente inconcebível. Recentes estatísticas revelam que, apenas nos Estados Unidos, a cada vinte segundos, em média, uma mulher é agredida. E no Brasil?

Outra coisa que não compreendo (e, obviamente, com a qual jamais irei concordar) é quando duas pessoas, que exerçam a mesmíssima função, são remuneradas de forma diferenciada, apenas por serem de sexos diferentes. No caso, as mulheres continuam ganhando menos. E são preteridas em promoções, sobretudo quando se trata de alguma chefia. E são discriminadas na política. O Brasil, em 509 anos de História, nunca teve uma mulher no comando do País. Qual a razão objetiva? Nenhuma! Puro preconceito (aqui, sim, cabe essa constatação).

Eu, como editor (e, portanto, chefe da minha editoria), sempre preferi (e continuarei preferindo) trabalhar com repórteres femininas. Por que? Por razões puramente práticas. Salvo exceções, elas sempre se mostraram mais objetivas, mais assíduas, mais dinâmicas, mais caprichosas, mais responsáveis, criativas e sensíveis. E afirmo isso do alto de mais de quarenta anos de experiência.

Creio que deixei clara minha posição. Quanto aos direitos, defendo (e sempre defenderei) que as mulheres têm e sempre deverão ter, sem qualquer exceção, os mesmíssimos do homem, quer no trabalho, quer no lar, na igreja, na escola, na sociedade etc. Já quanto ao tratamento, pelo menos da minha parte, este será sempre e sempre diferenciado, com mais respeito, mais afeto, mais ternura e mais admiração pelas mulheres. Quem achar que estou equivocado... atire a primeira pedra.

(*) Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos livros “Por uma nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance Fatal” (contos) e “Cronos & Narciso” (crônicas), com lançamentos previstos para os próximos dois meses. Blog “O Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com

quinta-feira, 23 de abril de 2009

Golpe de sorte, por Rodrigo Ramazzini

Rodrigo Ramazzini (*)



Deitados na cama.

- Amor!
- Ahhhn?
- Dormindo?
- Arãn!
- Tua bonequinha está...
- Hoje não, Maria Luiza!
- Por quê?
- Estou cansado. Quero dormir...
- Cansado de fazer o quê?
- Ué! Cansado... Não posso?
- Cansado de mim? É isso?
- Não começa, Maria Luiza!
- Responde então...
- Trabalhei demais hoje. Só isso!
- Sei.
- Não entende, né?
- Faz três dias que não transamos... Uma eternidade!
- Realmente uma eternidade! Mas quem agüentou três, agüenta quatro...

- Agora vai ser por agenda?
- Meu Deus! Está difícil hoje... Não, Maria Luiza!
- Smack! vjjj! Smack! vjjj! Smack! vjjj!
- Pára! Pára! Pára!
- O que foi?
- Não quero! Não quero nem beijo hoje...
- Estou te estranhando, Miguel!
- Por que eu tenho que estar sempre com vontade, hein?
- Deixa eu te fazer uma pergunta: tu tens outra?
- Claro que não! Que bobagem...
- Eu li em uma revista que quando o marido perde o interesse é porque pode ter outra...
- Eu não acredito!
- Pois é...
- Faz de conta que a revista está certa e me deixa dormir...

- Quer dizer que há essa possibilidade, então?
- Boa noite, Maria Luiza!
- O que é isso nas TUAS COSTAS?
- Pra que gritar? Isso o quê?
- Esse aranhão! O que é isso?
- Aqui?
- É... Esse mesmo!
- Foi aquele dia no jogo de futebol... Eu tinha te mostrado, não?
- Mostrou pra outra porque pra mim não!
- Mostrei sim!
- Além do mais, essas marcas de unhas são recentes e o futebol foi na semana passada.
- Trabalhando na área de perícia agora?
- Engraçadinho!
- Mas é!
- Vamos!
- Vamos o quê?
- Quero uma explicação!
- Mesmo?
- Lógico!
- Está bem! Eu admito...
- Fala...
- Tenho outra há três anos!

- Nããããããooooooooo!
- O que foi?
- Ufa! Ai amor...
- O que foi?
- Ai amor... Estava tendo um pesadelo contigo. Foi horrível! Tu disseste que tinha outra!
- Capaz! Dá um beijinho...
- Smack! vjjj! Aonde tu vais?
- No banheiro... Já volto!

No banheiro. Olhando-se no espelho.

- Ufa! Como fui esquecer... Será que ela viu alguma coisa? Teria sido uma indireta? Bah! Ainda estão fundas essas drogas de marcas... Que baita unhada aquela louca me deixou!
- Falou comigo, amor?
- Ahn... Ahn... Ahn... Falei! Onde tem uma camiseta? Estou com frio...

(*) Jornalista

segunda-feira, 20 de abril de 2009

Os conversadores, por Risomar Fasanaro

Risomar Fasanaro (*)



Apresentar um espetáculo de poesia é um desafio. Envolver o público e torná-lo participante parece-nos mais difícil ainda. Mas é a isto que o poeta Cacá Mendes e o músico Edson Tubinaga se propõem em Os Conversadores que estréia no dia 25 no Teatro Gloria Rocha em Jundiaí.

Trata-se de uma apresentação diferente, em que os dois falam música e executam suas composições e poemas junto com o público, em um espetáculo simples, divertido e comunicativo.

No show, músicas famosas servem de ponto de partida a uma ou outra música falada pela dupla. Algumas delas servem de pretexto para produzir música com partes do corpo como a língua, a cabeça.

Os dois artistas brincam com o público, convidando-o a falar porque, segundo eles palavra presa não dá, e palavra não é presidiária, não cometeu crime, não matou, não roubou...

Em um momento do espetáculo eles convidam o público para entrar em cena e participar de um breve sarau, em que as pessoas poderão falar poesia, contar uma historia curta, cantar e até dançar, porque nesse espetáculo qualquer um pode ser artista.

Um dos pontos altos do espetáculo é quando os dois apresentam a Canção do Elogio, composição dos dois artistas, e que é uma releitura da Canção do Exílio do poeta maranhense Gonçalves Dias. Nesse poema, as pessoas sentem saudade não de sua terra natal, mas do consumismo, dos shoppings e dos belos olhos de um amor que perdeu em outro lugar.

Os dois se despedem do público com o que Cacá e Tobinaga chamam de Rap End, quando revisitam apenas um verso do poema Café com Pão de Manuel Bandeira.

Este espetáculo me chamou a atenção porque é notória a dificuldade que a poesia enfrenta nos mais diversos locais. São raras as editoras que publicam poesia. Na escola são poucos os professores que a levam aos seus alunos. Uns assumem claramente não gostar de textos poéticos, outros falam da dificuldade que consiste em trabalhar com poesia em sala de aula, e isso é lamentável porque poucos textos agradam tanto a crianças e adolescentes, como os poéticos.

Mas é claro que para isso é preciso que o professor se exercite, leia, procure conhecer alguns poetas e suas obras, só assim descobrirá o sabor que só um bom poema produz na alma. Quem sabe a partir daí passe também a gostar, pois isso facilitará a transferência do seu entusiasmo às outras pessoas.

Os professores encontrarão em Os Conversadores um jeito simples de envolver o público, e a partir daí quem sabe poderão encontrar seu próprio caminho, aquele que tem a ver com seu jeito e passem a trabalhar com poesia.

O espetáculo tem direção cênica, figurino e programação visual de Joseane Alfer; as composições musicais são de Tobinaga e Cacá, sendo uma delas em deste último com a cantora e compositora Graziella Hessel. A produção executiva é de Antônio Carlos Fernandes e a produção é da Motiva Produções e Evento.

Para conferir.... (tatatata) (re)estréia do espetáculo vai ser(á) no dia 25, no Teatro Gloria Rocha, em Jundiaí, São Paulo.

(*) Jornalista, professora de Literatura Brasileira e Portuguesa e escritora, autora de “Eu: primeira pessoa, singular”, obra vencedora do Prêmio Teresa Martin de Literatura em júri composto por Ignácio de Loyola Brandão, Deonísio da Silva e José Louzeiro. Militante contra a última ditadura militar no Brasil.

terça-feira, 14 de abril de 2009

Cérebro 0 Km, por Sayonara Lino

Sayonara Lino (*)



Tem gente à espera de um rim, um pulmão, um coração. Transplantes podem salvar vidas e os que saem vitoriosos dessa substituição do que está gasto e não serve mais ganham uma nova chance. É comum e aliás bastante inteligente o receptor reavaliar seus hábitos, posturas diante da vida, fazer uma faxina na alma, reelaborar.

Tem outros, como eu, que estão precisando de um cérebro novo. Adoraria começar 2009 com todas as sinapses reestruturadas em um diálogo harmônico. A Santíssima Trindade depressão leve, ansiedade e stress ficariam longe, meditando em outro templo. Perda de memória, só de for de energético com vodca. Mágoa, rancor, ressentimento? Que é isso, aqui só teria alegria, amor, ternura, generosidade. Se não ganhar meu cérebro 0 Km de presente, vou pedir uma bengala. Pode ser um apoio na esquizofrenia dos dias atuais.

Você nunca pensou em ter um belo par de olhos claros, o cabelo mais liso ou cacheado, uma barriga de dar inveja, perder 10 Kg, parecer com a mocinha ou mocinho da capa? Não? Mentira. Já sim. É humano, geralmente as pessoas desejam melhorar. Tem gente comprando peito, tem gente comprando bunda, tem gente colocando botóx no dedo mínimo. Todo mundo (quase) acha normal, apóia, está certo. Tudo em nome da estética. Precisamos ser belos, sarados. Mas, cá pra nós, também precisamos ser menos perturbados.

Não quero ser pára-raio de maluco, bater papo cabeça comigo cheia de argumentação e no final discordar. Pensar em como estará minha vida em 2025. Sofrer por antecipação, jamais, só haverá sorriso e glória. Um cérebro novo, sustentável, que recicle as emoções direitinho e não me faça pensar nessa maluquice de novo. Não aceito usado. Só quero se for 0 Km.

(*) Jornalista

segunda-feira, 6 de abril de 2009

Cair de banda, por Nei Duclós

Nei Duclós (*)



Vou embora, desistir, sair. Deixar para lá, pegar um táxi, metrô, ônibus, avião. Vou a pé até a estrada e peço carona. Abandono tudo, abro um restaurante, vou viver numa gruta, uma ilha deserta. Não quero saber de pauta, de lead, de deadline, de cobertura, de tantos caracteres. Não quero ler, ver ou pensar. Quero ficar de olho parado até o fechamento passar. Nem precisa me indenizar, me trancar na salinha, me advertir. Quero outra vida, sem essa pressão de devorar o mundo todos os dias e vomitá-lo para recomeçar no início de novo expediente.

A vida é outra coisa e está fora da redação. Ok, não existem mais redações, elas sumiram junto com a profissão e hoje o que temos é o conteúdo a ser gerenciado, o cliente a ser atendido, a publicidade no miolo do texto, o título sem sentido, mas com o número exato de toques para caber no espaço devido. Ou sempre foi assim? Lembra daqueles títulos de três linhas nas revistas de luxo, em que a primeira precisava ter sete toques, a segunda oito e a terceira onze? Ou será que sonhei com isso?

É provável que eu tenha perdido a razão depois de dez milhões de edições. Talvez tenham me confinado nessa jaula que eu acho ser o mundo real e visível e estou como criatura de Matriz sonhando a liberdade de não pertencer mais à maquina de moer carne da profissão. Talvez meu desejo de abandonar tudo tenha enfim se concretizado e eu esteja numa espécie de limbo, pronto para reencontrar alguns companheiros que cruzaram comigo neste rio de palavras.

As celebridades, tão consideradas pelos estudantes, e que estiveram muito perto por tanto tempo, nem contam. O que pega são os anônimos, os redatores que não assinavam matérias, os diagramadores que jamais chegavam à direção da arte, os repórteres que sumiam de verdade para nunca mais. O que pega são os office-boys, como aquele tão pernóstico que o patrão dizia ser não um contínuo, mas um Editor de Continuidade. Ou o cara que recortava jornal para fazer clipping. Ou o setorista que dedicou cem anos para seu ofício, cobrindo esportes, ou polícia ou necrológios e por fim foi também embora, envolto em brumas de uma literatura que cheirava a biblioteca antiga, submersa em pó e esquecimento.

Não vá fazer poesia com tanta realidade, que de tão absurda parece ficção. Não diga que esqueceu aquelas dobras de corredor onde revisoras passavam com papéis na mão, concentradas em sua difícil arte. Ou o rapaz do arquivo, que fazia parte dos móveis daquele grande jornal do interior e que um dia respondeu o pedido urgente do editor apressado, que bradava: “Fulano de Tal, sabe quem é?”, com a clássica resposta: “Não sei, mas tenho”. Ou o tempo do off-set quando bravos rapazes analfabetos esforçados da composição colavam parágrafos inteiros de cabeça para baixo, mas no maior capricho, fazendo com que a leitura do dia seguinte fosse festejada com gargalhadas.

No fundo, queres do jornalismo o quem nunca pertenceu a ele. As erratas que se repetiam com os mesmos erros, o foca de bolsa e tênis que chegava com o cerebral “Quatro Quartetos”, de T.S. Elliot, embaixo do braço e arrancava do chefe de reportagem o desabafo: “Pronto, mais um intelectual de sovaco”; a happy hour com o pessoal da oficina; e as despedidas. Sim, quando alguém decidia enfim ir embora e íamos todos na rodoviária ou na estação nos despedir, bêbados, batendo em suas costas como querendo expulsá-lo, mas no fundo sonhando em fazer a mesma coisa.

Partir, ir embora, deixar esta vida. A pior do mundo, mas que não há nem haverá outra igual nem melhor. Longa vida à memória e à loucura: esse tal de jornalismo, profissão extinta, ninho de loucos, que trabalham sob as ordens do destino e tiram de letra qualquer lágrima que venha atrapalhar nossa conversa na calçada, no fim da noite, antes do assombroso amanhecer.

(*) Autor de três livros de poesia: "Outubro" (1975), "No meio da rua" (1979) e "No mar, Veremos" (2001); de um romance: "Universo Baldio" (2004); e de um livro de conto e crônicas: "O Refúgio do Príncipe - Histórias
Sopradas pelo Vento" (2006). Jornalista desde 1970 e formado em História.