quarta-feira, 11 de junho de 2008

Meu esporte preferido é esquecer você, por Eduardo Murta

Eduardo Murta (*)



Daqui se vê, pela foto, como aquele havia sido um tempo de provações para Augusto. Logo ele, crente fiel à máxima de que nascera bicho-homem, moldado a prestar satisfações tão-somente ao vento. A mais ninguém. Assim, ligava um nada aos que diziam que fazia estilo playboy. Fazia mesmo. E daí? À mais rasteira das submissões – trabalhar – já tinha se convertido. Nada por convicção, claro, mas a que não dependesse um tostão de pai ou mãe.

Foi que aos 13, burlando lei e vigilância paterna, buscou ofício e renda. Burlesco, admitia. Mas o bastante a que garantisse o extra no começo de mês. Ele, porta em porta, com vidrinhos de perfume. Oitava qualidade. E como vendia. Rendia-lhe também vergonha. E, noutra ponta, um palpite que se consumaria numa feliz constatação. A de que era belo. Belíssimo. Irresistível.

Perdera a conta de quantas juras de amor ouvira em dez minutos de conversa meramente comercial. E de quantas vezes beijara na boca e se entrelaçara às coxas de cinqüentonas, quarentonas, trintonas. Gatinhas de 20. Menininhas na faixa dos 15. Começava até a duvidar de suas habilidades de vendedor. Passava a crer, mais e vigorosamente, em sua veia de sedução.

E não era casual. Corpo à forma de quem fora esculpido. Linhas de anjo aos cabelos. E rosto que misturava olhos de águia, boca à Rodolfo Valentino. Se pusera mal acostumado. Ao revés, talvez. Muitíssimo bem habituado. Ia ganhando, então, duas certezas na vida: a de que queria continuar vivendo exatamente daquela maneira, e a de que se inscreveria para sempre no clube dos solteiros.

Aos 16, não fazia mais idéia da coleção de mulheres às quais dissera não. Sem um pingo de culpa. Se virava e partia. Dispensara as esculturais, as desconcertantes. Resistira às avassaladoras. E, nos negócios, experimentara de vendedor de planos de saúde a ações na Bolsa, automóveis, emagrecedores, artigos de sex-shop. Mergulhara, puro êxtase, numa rotina de viagens, baladas, esportes radicais, circuitos gastronômicos, mundo fashion...

Havia se convertido, no fundo, num vendedor de ilusões. Ainda que jamais houvesse mentido para ter qualquer mulher à cama. Fosse resumir, sem modéstia, diria que simplesmente não resistiam. E ponto. Augusto cunharia, na linhagem de conquistas, frase que se tornaria célebre: “Amo fazer amor, mas amo também esquecer”. Semana virava, e lá estava ele com outra gata. A da hora, Juju, 22 anos. Universitária. Estampa de modelo.

Conhecera numa festa. Até topou cinema, a que variasse um pouco. Talvez tenha errado em estratégia ali. Deu, um tanto sem querer, com os olhos dela vidrados na tela. Era um drama, mal prestara atenção. As órbitas marejas, em algum sentido, lhe bambearam sentimentos. Mais ainda quando, espontâneas, as mãos perfumadas buscaram as dele. Mornas, se entrincheirando entre as pipocas e o sal.

Pela primeira vez, se flagrara vendido. Em joelhos. A foto, percebam é desse tempo. Ele se curvando à monogamia. Derivando paixão. E vendo Juju, mesmo lhe declarando amor divino, escapar-lhe por entre os dedos. Não compreendia. Não se conformava. Buscou de novo baladas. Efervescência. Boates. O book das mulheres. Rostos em penumbra forçada nas imagens, se mirou primeiro nas coxas. Familiares. Depois, os seios rosados. Inconfundíveis. Por fim, a frase acompanhando a ficha da garota. Singular: “Amo fazer amor, mas amo também esquecer”. É dela, sempre dela, que Gustavo se recorda assim nas noites eternamente sem sono em que sua vida se converteu. Ah, mulheres insensíveis....

(*) Jornalista, autor de "Tantas Histórias. Pessoas Tantas", livro lançado em maio de 2006, que reúne 50 crônicas selecionadas publicadas na imprensa. É secretário de Redação do jornal Hoje em Dia, diário de Belo Horizonte. Já teve passagens também pelos jornais Diário de Minas e Estado de Minas, além de Folha de S.Paulo e revista Veja. É um dos colunistas do Hoje em Dia, onde publica às quartas-feiras.

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